No «Jardim de Jarman»

Foi há (quase) 30 anos: em Setembro de 1990 teve estreia em salas de cinema dos Estados Unidos da América, do Canadá e do Japão o filme «O Jardim» («The Garden») realizado por Derek Jarman; curiosamente, a estreia no Reino Unido só ocorreu em Janeiro de 1991. E, numa interessante coincidência, no passado mês de Abril foi noticiado que o seu – verdadeiro – jardim, tal como a casa a ele adjacente, formando uma propriedade com a designação de Prospect Cottage, localizada em Dungeness, no Kent, e onde o cineasta residiu nos seus últimos anos de vida antes de falecer em 1994, foi adquirido pela organização caritativa britânica Art Fund após uma campanha de angariação de fundos que superou os três milhões de libras. Confirmada e consolidada a aquisição, o espaço será gerido pela Creative Folkstone para a realização de regulares animações culturais.

Situada entre o mar e uma central nuclear, a Prospect Cottage foi igualmente o cenário das filmagens de «O Jardim», um dos filmes que demonstra o carácter singular da vida, carreira e obra de Derek Jarman, ele próprio uma autêntica figura fantástica cuja existência terminou de forma trágica – foi uma das várias vítimas da SIDA, mais ou menos famosas, entre meados da década de 80 e meados da de 90 (como António Variações, Michel Foucault, Rock Hudson e Freddie Mercury), assim proporcionando o derradeiro, quiçá máximo, símbolo à sua assumida, activa e activista homossexualidade. Heterodoxo no grande e no pequeno ecrã (realizou vídeos musicais para os Pet Shop Boys, os Smiths e outros artistas), Jarman também cruzou, misturou, experimentou épocas, géneros e até estilos diferentes nas suas outras longas-metragens, num percurso iniciado em 1976: «Sebastiane», «Jubileu», «A Tempestade», «A Conversação Angélica», e, já com Tilda Swinton como perene, permanente protagonista e musa, «Caravaggio» «O Último de Inglaterra», «Requiem de Guerra», «Eduardo II», «Wittgenstein»…

… Concluindo, culminando, com «Azul», concretizado quando as debilitantes, terríveis consequências da doença na sua fase terminal se faziam sentir, em especial a cegueira – nada mais conseguindo «ver» do que aquela cor, Derek Jarman faz dela a única imagem nos quase 80 minutos do seu trabalho final a ser apresentado antes de morrer («Queres Dançar Comigo?», resultado de filmagens num clube nocturno de Londres em 1984, foi lançado em 2014). A verdade é que, duvidando de poder aceder a um qualquer «Jardim do Éden», Jarman decidiu construir o seu na Terra.

%d bloggers like this: