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Há uma quantidade enorme de anos, quando este blog era um bebé e eu me entretinha a alimentá-lo com o que a minha cabeça maluca ia retirando dos títulos dos spams que recebia por email, também aconteceu — por estranho que isso pareça a quem vive permanentemente no presente — um ano novo. E o meu spam, simpaticamente, acompanhou a efeméride, fornecendo-me um título que, embora cliché, era muito adequado ao acontecimento: Ano Novo, Vida Nova. Ou algo do género. Com base nesse título e no que eu há muito vinha sentindo sobre este deprimente país em que vivemos, escrevi o seguinte spamema:
Ano novo vida nova
Ano novo
vida nova
bota o ovo
para a cova
Dorme o povo
e não acorda
porque o polvo
se renova
Ano novo
vida nova?
Uma ova!
Isto foi escrito em 2003. Estamos em 2012. Mudou alguma coisa?
Bem, sim, mudou: estamos muito pior do que estávamos nessa época. Com o pior presidente da história da democracia e o pior governo da história da democracia e a pior situação económica da história da democracia gerada por décadas e décadas de roubo organizado por todos os cleptocratas que se foram infiltrando em tudo quanto é partido do dito arco do poder. O arco dos canalhas. O arco dos burlões. O arco da corja imunda e repugnante. O arco dos Relvas, descarados como o Relvas ou mais discretos como os muitos Relvinhas que poucos conhecem mas apodrecem todo o bocadinho da nossa vida coletiva em que têm oportunidade de tocar. O polvo de que ali falava, precisamente.
E o povo, esse, deu tímidos sinais de que talvez, eventualmente, com alguma sorte pudesse vir a acordar, sinais esses corporizados no melhor dia de todos os últimos 365: o 15 de setembro.
Pois o meu desejo, meus caros, é que 2013 seja o ano em que esse povo semidesperto, semiconsciente, semi-informado, semi-inteligente, acorde mesmo. Mesmo. É esse o meu desejo. A esperança, essa, é pouca.
Auto do Extermínio (bib.) é uma longa noveleta de Cirilo S. Lemos que se pode enquadrar naquele retrofuturismo mais fiel à história alternativa, apesar de conter alguns elementos de outros géneros. E é, diga-se desde já, uma excelente noveleta. Ambientada no Brasil, como aliás tem sido quase sempre o caso no livro em que se insere, mostra-nos o país em plena convulsão política, nos últimos estertores de uma monarquia prolongada até bem dentro do século XX, agitado por comunistas por um lado e fascistas pelo outro, com o exército, republicano, a constituir uma quarta fação, talvez a mais poderosa, talvez a que mais cordelinhos puxa, dominada por um tal general Protásio Vargas que além de ambilção pessoal pode, ou não, ser também movido por interesses estrangeiros.
A história em si mesma é uma história sobre a conquista do poder, sobre atentados e movimentações de bastidores, sobre armas secretas sofisticadas (para o nível tecnológico de meados do século XX, entenda-se, embora também haja um clone metido ao barulho) e assassinos orientados por capacidades premonitórias especiais. Uma história cheia de peripécias e reviravoltas, como costumam ser as histórias de todas as revoluções, e que portanto tem do princípio ao fim esse interesse, o interesse de se saber quem sairá vencedor. Mas é, sobretudo, uma história muito bem escrita — salvo um par e meio de erros de revisão —, com um magnífico ritmo e pormenores cheios de algo a que só posso chamar literatura. Tudo, ou quase, muito bom.
Contos anteriores deste livro:
O certo é que nenhum me encheu as medidas. Todos têm características que me agradaram, e todos têm características que me desagradaram. Na verdade, a coisa foi mais longe: aquele que me pareceu literariamente mais forte, portanto de certa forma o melhor dos cinco, foi aquele que menos me agradou: Roubo. Em menor grau, o mesmo aconteceu com vários dos outros, o que me deixou com uma perplexidade ao acabar a leitura: terei eu gostado desta antologia?
Normalmente é-me fácil responder a este tipo de pergunta. Se uma antologia não tem contos maus e os tem bons, ou pelo menos tem destes em número consideravelmente superior àqueles, gosto de a ler. O gostar de ler está dependente de acabar a leitura com satisfação, de achar em geral bem gasto o tempo nela dispendido, e isso normalmente fica claro ao acabar a leitura, e por vezes bem antes de chegar a esse ponto. Mas aqui não. Aqui acabei-a um pouco perplexo, a perguntar aos meus botões se o que tinha acabado de ler tinha valido a pena.
Acabei por concluir que sim. Que suponho que sim. Com dúvidas. É que aprendi com alguns destes contos e tomei contacto com alguns autores que desconhecia — Collier, Coates e Porter, basicamente — e que me deixaram curioso sobre o que poderão ter escrito além do que aqui li. E isso é bom. Suponho.
Eis o que achei de cada um dos contos:
Este livro foi comprado.
«No Muro» é um conto de David Soares («Batalha», «O Evangelho do Enforcado») que reflecte sobre a finitude do conhecimento, através de um não-leitor que herda a colecção de livros do pai. Encontramo-nos quando achamos livros e perdemo-nos quando os esquecemos.»Segue um excerto:
«O cheiro dos livros era diferente do dos arquivos do escritório onde trabalhava: aquelas narrativas e aqueles ensaios, lidos de passagem nas matutinas montivagações, não tinham o mesmo cheiro dos recibos e das cópias dos contratos impressas em papel-químico. E, no entanto, tudo isso era feito de papel. Já matara imensos peixinhos-de-prata, asilados da luz entre os livros, mas no escritório, também empanturrado de papel, não havia nenhuns. Porquê? Estava a aprender que nem tudo o que era feito de papel era da mesma ordem – e ao folhear os livros, uns a seguir aos outros, aprendia mais coisas. Aprendia que os homens, todos feitos da mesma carne, tal como os livros e os recibos eram feitos do mesmo papel, não eram iguais: havia homens que eram mais como os livros e existiam outros homens que eram mais como os recibos e separavam-nos uma distância intransponível, uma trágica incomunicabilidade. E ele estava a aprender a qual dos lados pertencia.»