O Covid-19 não encerrou o MoteLx

A pandemia originária da China causou a suspensão de muitos eventos desportivos e culturais, nacionais e internacionais, neste ano de 2020, mas alguns, mesmo assim, realizaram-se, noutras datas e/ou em contextos e em circunstâncias alterados e adaptadas. Um deles foi, em Portugal, o MoteLx – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, que teve lugar entre 7 e 14 de Setembro últimos na sua «hospedaria» habitual, isto é, o Cinema São Jorge. A organização salientou que o certame, apesar de ter estado «sob o espectro de medidas reforçadas de segurança», viu o público «regressar em força, numa edição que superou expectativas e que contou com mais de 20 sessões esgotadas» e que igualmente «se destacou por um número recorde de filmes feitos por mulheres».

Como sempre acontece, são os vencedores das duas secções competitivas – longas-metragns e curtas-metragens – que suscita(ra)m o maior interesse. Na primeira o «Méliès de Ouro» foi atribuído a «Pelican Blood», co-produção alemã-búlgara e segundo filme da realizadora alemã Katrin Gebbe, que «explora a agonia de uma mãe que adopta uma criança que vem a revelar comportamentos perturbadores. “Uma escolha unânime” para o júri composto por Pedro Mexia, Filipe Homem Fonseca e Carla Galvão, que aplaude “um filme que instala uma tensão permanente, um filme sobre o instinto maternal e a saúde mental, sobre a perda e o sacrifício, sobre o mal como protecção, um mal reeducável, que faz apelo à coragem e à perseverança, contra toda a lógica e toda a esperança”.»

No que se refere às curtas-metragens, de salientar a atribuição de «uma Menção Especial a “A Grande Paródia”, de André Carvalho, “filme visceral” sobre um realizador que adormece enquanto vê televisão e sonha vender a alma a troco de fama e glória. “Transgredindo a ironia”, a curta-metragem desarmou o júri “pela sua brutalidade” e “pela coragem tocante, no limite da castração e da auto-representação”.» Porém, o prémio principal nesta categoria, ou seja, o «Méliès de Prata», foi atribuído a «Mata”, de Fábio Rebelo, «história de um casal perdido numa floresta cujo reencontro traz consequências aterradoras», e que «é, nas palavras do júri composto por Pandora da Cunha Telles, João Pedro Rodrigues e Margarida Vila-Nova, “um filme sólido que joga com o imaginário da literatura fantástica, mergulhando num espaço onde enfrentamos os nossos pequenos medos”, e que, “em escassos minutos e sem pretensões”, “revela a promessa de um jovem realizador”.»

Esta apreciação positiva da curta-metragem vencedora não foi partilhada por todos os que (já) a viram. Por exemplo, e nomeadamente, João Barreiros, que na sua página de Facebook deu a sua descrição daquela (cuja leitura não é aconselhada a todos aqueles que, compreensivelmente, não gostam de ser surpreendidos pelos denominados «spoilers»): «Considerem um pimpolho e uma pimpolheta a passearem-se no proverbial bosque, como se não tivessem mais nada que fazer. De súbito, ó horror, eis que descobrem um cadáver de uma donzelina vestida de branco todo esbardalhado no meio de uma encosta. Diz a pimpolheta: — olha um corpo, chama o 112. Ele considera a postura jacente da donzelina cadaverizada com os olhos justamente esbugalhados de horror. Diz o pimpolho, todo trémulo, e com uma voz ligeiramente panisguenta: — Olha, és tu! A pimpolheta berra em silêncio ( pois, não se ouve o grito, só música inquietante). O pimpolho afasta-se, aos tropeções. Um pouco mais à frente descobre um outro corpo com a moleirinha toda estoirada. Para seu grande horror, verifica que o corpo é o dele próprio. Estremece, pega numa pistola vinda de lado nenhum, sim porque os pimpolhos, quando se passeiam nos bosque, vão sempre armados para defenderem as suas pimpolhetas de quaisquer atentados sobrenaturais, leva-a à garganta e PUN, toma que já levaste. A pimpolheta berra, desalmada, deita a fugir e depara-se com uma enforcada, vestida de branco que, estranha coincidência, é outra vez ela própria. Nesse momento aparece o pimpolho ressurgido a la Lázaro que a puxa para longe da câmara, como se quisesse protegê-la de tanta estupidez, enquanto a dita câmara volta a focar-se nos dois infelizes, ambos mortinhos da silva, encostados a uma árvore. THE END. Mas que vem a ser isto, perguntareis vós, pensando que o vosso estimado El Professor Barreiros marou de vez. Nope. No way, José. É apenas o resumo da curta vencedora do Motelx deste ano. Chama-se MATA. O Tio Barreiros bem vos avisa. O horror não morre, multiplica-se.»

Existirá de facto um problema de falta de qualidade, e até de quantidade, de histórias, argumentos, ideias, conceitos que servem ou poderão servir de base a filmes portugueses de ficção científica, fantástico e terror/horror? Sim, e o mesmo foi abordado em 2015 com uma iniciativa lançada pela Simetria em colaboração com o Fantasporto que pretende(u) ser uma possível solução: (um)a «Bolsa de Guiões» que inclui textos – maioritariamente contos, mas também algumas narrativas mais longas – de alguns dos mais conhecidos e contemporâneos autores nacionais. Continua a ser um excelente recurso para todos os cineastas que procurem inspiração.

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