Em Quantico, Greg Bear, autor mais conhecido pelas suas obras de ficção científica sobre mistérios ou catástrofes da engenharia genética ou biologia molecular, envereda neste livro pelo thriller do bioterrorismo.
A fórmula é em tudo tirada do “formato bestseller americano”. Não há novidades na forma: personagens bi-dimensionais (com raríssimas excepções) distantes do leitor (que nunca se identifica com nenhum “herói”), imensa acção, duas ou três linhas de narrativa que se entrecortam em jeito de pós-modernismo, um diálogo curto com menos infodump do que seria de esperar neste tipo de livros. Greg Bear é bom a escrever ao estilo bestseller — este é um livro para ler enquanto estamos no aeroporto à espera de um vôo.
Ou talvez não.
Se viesse de um Michael Crichton, este livro seria pouco mais do que uma história mil vezes escrita: num futuro muito próximo, os Estados Unidos continuam ainda aterrorizados pelas sequelas do 9/11 (e que entretanto sofrem mais um mega-atentado com a 4 de Outubro de um ano não mencionado — 10/4, o ten-four que os polícias nas séries de TV usam para descrever “ok, mensagem recebida”) e com um controle ainda mais apertado dos seus cidadãos, mas sem cair no facilitismo Orwelliano. O mundo está mais tenso, há mais vídeo-vigilância e análises de DNA, mas ainda não temos o Big Brother a controlar todos os segundos do nosso tempo. No entanto, os USA estão a lidar com um sério problema político: as várias agências governamentais, essas que nunca ninguém sabe quem é que as controla ou como são fiunanciadas ou de quem dependem, começam a desconfiar umas das outras. O histórico FBI está prestes, prestes a ser desmantelado, e muitos dos agentes são mesmo enviados para outras unidades.
O livro é sobre bioterrorismo. Até aqui nada de novo… já praticamente se tinha escrito tudo o que podia ser dito sobre “terroristas-de-garagem-que-desenvolvem-variantes-de-anthrax-com-um-laboratório-feito-em-casa”. Mas estamos na presença de Greg Bear: se há alguma coisa que não falta no livro, é a precisão científica como ele descreve pormenorizadamente a forma como “qualquer aluno de liceu” pode lançar, a baixo custo, uma praga geneticamente alterada (não a partir de anthrax, que é facilmente detectável por ser o “mais óbvio”, mas algo de tão comum e indetectável como um vulgar fermento…) para destruir a humanidade. E o inimigo não está no Médio Oriente — trabalha em casa, é um autista de alto desempenho, faz aquilo para se entreter… até encontrar um comprador que vê nisto uma forma barata e indetectável para vender no Médio Oriente.
Ou talvez não.
Estamos sempre à “espera do óbvio” neste livro. Greg manipula-nos colocando clichés e estereótipos em todo o lado; mas depois deixa-nos embasbacados com o efectivamente está a acontecer. A “praga” não é mortífera — na realidade, nem sequer faz as pessoas adoecerem no sentido comum da palavra — mas vai, mesmo assim, destruir a humanidade. (Não conto como porque perdia a piada). E não é um retrovírus que nos impeça de reproduzir — também isso tratado milhares de vezes no meio. É mais original. De certa forma, muito mais temível (nos cenários de “aniquilação total” ou de “infertilidade”, é de assumir que alguém vá desenvolver um “antídoto” o mais depressa possível), pois a própria praga, pela forma como foi desenhada, tem a capacidade de tornar a criação de um antídoto completamente impossível.
Claro que o livro termina com um final feliz — é um livro americano — com o FBI a salvar a situação à última da hora (de uma forma que não convence; suspeito que o Greg Bear tivesse outro final em mente, mas deve ter assustado os seus editores e mudado o final…). Mas o autor deixa um disclaimer logo no início: “deliberadamente não coloquei todos os pormenores para evitar que um grupo terrorista tenha efectivamente esta ideia” e explica que ainda não existe uma ou outra tecnologia mencionada no livro. São meros detalhes: a explicação científica (como em quase todos os livros de Bear) é terrivelmente convincente — no duplo sentido da palavra terrível.
No meio da biociência está também a geopolítica, com o Médio Oriente lançado num cenário de caos que em nada fica atrás do de Lions for Lambs. Também este muito convincente: o que aconteceria a Mecca e aos seus milhões de peregrinos actuais se a Arábia Saudita não tivesse capacidade (política, militar) de a manter segura, devido a uma enorme instabilidade política interna? (que felizmente nunca aconteceu) Bear questiona se a razão principal para os US manterem o governo saudita no poder — independentemente de se tratar de uma monarquia autocrática que financia o terrorismo mundial e ignora totalmente a existência de direitos dos seus cidadãos — não é simplesmente porque não se pode tero maior santuário islâmico numa zona politicamente instável. Talvez seja por isso que Israel também tenha de ter estabilidade em Jerusalém, pelas mesmas razões. Considerações políticas à parte, este não é o melhor livro de ficção científica de Bear, mas como thriller de bioterrorismo, é convincente para atrair o público mainstream que está à espera de algo de mais “ligeiro” dentro deste estilo de escrita-de-bestseller…