A história sobre a origem das teorias dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre não é complexa, mas é pormenorizada; para explaná-la detalhadamente seria necessário introduzir um manancial de informação específica, subordinada aos campos da pseudo-história, do esoterismo ocidental, das sociedades ocultistas que apareceram nos Estados Unidos e na Europa durante o século XIX e da literatura dita fantástica que despontou em inícios do século XX, que, com franqueza, confundiria os leitores que não estão familiarizados com esses assuntos. Este texto não é para especialistas, nem para quem já tem umas “luzes” sobre estas teorias tresloucadas, mas para aqueles que apenas ouviram falar delas em séries como Ancient Aliens e outros produtos parecidos. Este é um desmascaramento directo dessas teorias, a partir do qual se poderá investir numa observação aprofundada de todos os detalhes sobre a origem delas, mas, para já, irei concentrar-me no fundamental. E o fundamental é isto: as teorias dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre, popularizadas como factos por veículos como Ancient Aliens, têm origem nos contos de horror do autor americano Howard Phillips Lovecraft, nascido em 1890, na cidade de Providence, capital do estado de Rhode Island, e falecido em 1937, com um cancro no intestino delgado.
Hoje a herança literária de Lovecraft é uma das mais influentes (e lucrativas), mas, enquanto viveu, o escritor, que passou fome e foi muito pobre, nunca conheceu o prestígio que as gerações posteriores lhe reconheceram e, infelizmente, morreu convencido de que fracassara. Porém, Lovecraft foi um espantoso epistológrafo e escreveu milhares de cartas a amigos e colegas com quem manteve uma constante correspondência. Esse assombroso acervo permite traçar com minúcia o retrato psicológico de uma personalidade imaginativa, artística e intrincada, que, mais do que qualquer outra coisa, se pautou por um conservadorismo severo na juventude, e nos primeiros anos da idade adulta, mas que se tornou muitíssimo mais liberal, tolerante e positiva nas últimas décadas de vida. O perfil de racista virulento que lhe é traçado pelos detractores não se sustenta diante da documentação existente, mas, infelizmente, isso pouco ou nada parece interessar a quem se deseja promover nesse jaez à conta do seu nome: Lovecraft desgostava muitíssimo das massas e não das “raças”; o seu preconceito sempre se dirigiu à plebe e nunca aos indivíduos. Se tivesse sido xenófobo nunca teria casado com uma emigrante russa de religião judaica que, ainda por cima, era mais velha que ele (depois de se divorciarem, permaneceram amigos). Lovecraft foi uma criança doente que não chegou a terminar o liceu, mas compensou essa lacuna dedicando a vida inteira à leitura e à procura do mais actualizado conhecimento científico: ateu e grande desmistificador das práticas ocultistas do seu tempo (como o espiritismo, a adivinhação, a astrologia, etc.), Lovecraft escreveu histórias de horror em que as personagens fantásticas têm uma origem física, em vez de sobrenatural – e é nessa escolha autoral que reside a origem das teorias dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre.
Nas histórias mais representativas de Lovecraft, aquelas que, hoje, se apelidam em conjunto por “mitologia lovecraftiana” (a popular designação Cthulhu Mythos, inventada pelo escritor norte-americano August Derleth – que salvou do esquecimento a obra de Lovecraft – está a ser abandonada pelos especialistas, por culpa do lastro cristão que Derleth imprimiu sobre esse corpo literário ateu e amoral), os Deuses Antigos, responsáveis pela construção de primitivas cidades e de estruturas enigmáticas que, aparentemente, as civilizações de outrora não poderiam ter sido capazes de levantar sozinhas, são, afinal de contas, entidades extraterrestres que os homens tomaram por deuses. Uma espécie de evemerismo cósmico.
Esses seres extraterrestres são, em regra, indiferentes às vontades humanas, mas essa indiferença logra, não obstante, o nosso infortúnio. A história basilar da mitologia lovecraftiana, na qual os deuses antigos não passam de criaturas extraterrestres, tão açaimadas pelas leis da física quanto nós, intitula-se The Call of Cthulhu (A Invocação de Cthulhu) e foi publicada pela primeira vez no número de Fevereiro de 1928 da revista bimestral norte-americana Weird Tales.
The Call of Cthulhu foi uma ficção inovadora – e Lovecraft o primeiro a postular, de modo fictício, que os antigos deuses eram entidades extraterrestres, nas suas histórias de horror -, mas que se arquitecta sobre as ideias pseudo-históricas dos ocultistas e dos pseudo-arqueólogos do século XIX, como o político norte-americano Ignatius Donnelly, que, em 1882, escreveu Atlantis: The Antediluvian World (Atlântida: O Mundo Antidiluviano), livro seminal para a popularização e consolidação da tese atlante sobre as origens da humanidade, pugnada por correntes hiperdifusionistas (o Hiperdifusionismo é uma teoria pseudo-histórica que defende que todas as civilizações existentes descendem de uma primordial civilização-matriz, tecnologicamente avançada e espiritualmente desenvolvida, entretanto desaparecida num cataclismo, como um terramoto, um maremoto ou uma erupção vulcânica). Esse livro de Donnelly iniciou um tsunami de pseudoliteratura sobre antigos continentes perdidos, entre os quais o de Lemúria e o de Mu, e a sua influência sobre Lovecraft e, consequentemente, sobre os teoristas dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre, está na ideia de que os deuses antigos não foram invenções das mentes dos homens, mas entidades reais que com eles contactaram e, em alguns casos, conviveram (no caso de Donnelly, seriam os patriarcas desaparecidos da extinta Atlântida).
Em 1864, ao observar que existiam lemúres (espécie de primata) na costa oriental de África (Ilha de Madagáscar) e na costa ocidental da Índia, o zoólogo inglês Philip Lutley Sclater teorizou que deveria ter existido, algures numa era vetusta, uma ligação terrestre entre os dois continentes: a esse hipotético estreito deu o nome sugestivo de Lemúria, porque era a passagem dos lemúres. Hoje, achamos ridículo este tipo de ideias, porque conhecemos o modo como os continentes se formaram, por movimento das placas tectónicas, logo continentes afundados só poderão conceber-se no domínio da ficção; porém, na altura, as coisas passaram-se de outro modo. Em 1870, o cientista alemão Ernst Haeckel inventou que a tal Lemúria deveria ser o local onde a espécie humana tinha nascido, teorizando que os símios, como os gorilas, chimpanzés e orangotangos, tinham evoluído dos lemúres e, por conseguinte, disseminado para a África e para a Ásia a partir desse hipotético território. Abreviando: a ideia de Lemúria não vingou na geologia, nem na antropologia, mas o mesmo não pode dizer-se do campo do esoterismo, no qual Lemúria se transformou num continente perdido.
No seu livro The Secret Doctrine (A Doutrina Secreta), de 1888, a ocultista russa Helena Blavatsky (criadora, em 1875, da Sociedade Teosófica, em Nova Iorque) alegou ter canalizado espiritualmente os ensinamentos secretos de um misterioso volume, anterior ao nascimento da própria humanidade, intitulado Livro de Dzyan, que lhe fora revelado por entidades superiores (a que chamou Mahatmas): essa narrativa espúria, meio-argolada em textos religiosos indianos, desvenda que os antepassados do homem apareceram na Terra há dezoito milhões de anos, sob a forma de criaturas invertebradas, semi-vegetais, que, há três milhões de anos (sem se perceber muito bem como), deram origem a uma raça de gigantes andróginos; esses gigantes relacionaram-se sexualmente com animais (?) e deram origem aos híbridos monstruosos da mitologia clássica. (É a versão blavatskiana da queda bíblica da Graça, porque, a partir desse episódio, a reprodução deixou de ser espiritual para passar a ser carnal.) Segundo a “sabedoria secreta” dos Mahatmas, a Lemúria – que, como vimos, foi inventada pelo zoólogo Philip Sclater – era o berço primordial de toda a Criação: um continente perdido onde tinham aparecido as raças antigas e, também, o local onde originou a humanidade. No sistema pseudo-histórico de Blavatsky, que, acredite-se ou não, influenciou muitíssimo diversas correntes do esoterismo ocidental (incluindo a gnose sexual-racista de Lanz von Liebenfels, editor da revista neocristã e anti-semita Ostara), a humanidade contemporânea era, apenas, a quinta “raça” de uma série de Sete Raças que governariam a Terra. (A quarta raça fora, obviamente, a Atlante; entretanto, destruída por forças ocultas que instrumentalizaram magia negra para o efeito.) Mas todas as Sete Raças teriam origem em Lemúria, o berço, que emergiria e submergiria, regularmente, até a sétima raça reinar no mundo.
Contemporâneo de Blavatsky, o ocultista inglês James Churchward agarrou nos “ensinamentos” teosóficos e popularizou o seu próprio continente perdido: Mu, a «Mátria da Humanidade» (apesar disso, Mu fora inventado, uns anos antes, pelo arqueólogo amador anglo-americano Augustus Le Plongeon, que acreditava na ideia muito bizarra de que a Maçonaria tinha sido criada pelos Maias e por eles introduzida no Egipto). Embora tenha passado vários anos a teorizar sobre Mu, somente em 1926 é que Churchward publicou um livro sobre o assunto: The Lost Continent of Mu (O Continente Perdido de Mu), cuja existência e história lhe haviam sido provadas por monges hinduístas, num mosteiro perdido dos Himalaias. Segundo Churchward, Mu tinha sido um continente-ilha do Oceano Pacífico, uma civilização-matriz da qual todas as outras derivaram; incluindo a Atlante e, a partir dessa, a Egípicia. Os vestígios de Mu seriam as ruínas polinésias do Pacífico – as mesmas ruínas que, curiosamente, foram usadas por Lovecraft em The Call of Cthulhu para servirem de ruínas da cidade fictícia de R’Lyeh, em quais subterrâneos dormia a entidade extraterrestre Cthulhu, à espera do momento em que as estrelas se alinhassem correctamente, de maneira a emergir do seu cativeiro (o que acontece no final da história).
Em resumo: H. P. Lovecraft foi ateu, daí ter sentido a necessidade de, nos seus contos de horror, escrever sobre agentes fantásticos que fossem físicos, em vez de sobrenaturais; para o efeito, fundou o seu universo ficcional sobre o cadinho cultural da altura – as pseudo-histórias e narrativas esotéricas sobre continentes perdidos, ruínas e monumentos construídos por deuses antigos -, mas nos papéis desempenhados pelas divindades colocou entidades extraterrestres, oriundas de outros planetas. Até inventou um nono planeta: Yuggoth, um pequeno mundo, habitado pela civilização extraterrena dos Mi-Go, que ficava nas fímbrias do sistema solar – planeta inventado pouco tempo antes da descoberta de Plutão. No entanto, a ficção de Lovecraft, publicada em revistas periódicas de contos, não alcançou grande popularidade nos Estados Unidos nessa altura. A grande influência de Lovecraft sobre as teorias dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre ocorreu na Europa, no rescaldo da Segunda Grande Guerra; em principal, na França.
Para entreter os soldados destacados para o estrangeiro, o exército norte-americano criou uma colecção de livros de bolso, na qual incluíu vários títulos de géneros diferentes, como o western, o policial, a ficção científica e o horror; entre os livros de horror contava-se The Dunwich Horror and Other Weird Tales (O Horror de Dunwich e Outros Contos Estranhos), da autoria de um autor, algo obscuro, chamado H. P. Lovecraft. Foi através desses livros de bolso que o público europeu contactou com diversos autores norte-americanos de ficção científica: género que, em pouco tempo, alcançou uma popularidade enorme em França – assim como a obra de Lovecraft, cujas histórias mais volumosas, como The Call of Cthulhu e At the Mountains of Madness (Nas Montanhas da Loucura), foram publicadas, a partir de meados dos anos cinquenta, pelas Éditions Denoël.
At the Mountains of Madness é particularmente importante para a consubstanciação da Teoria da Génese Extraterrestre, porque é a primeira história que apresenta a ideia de que a raça humana foi criada em laboratório por engenheiros genéticos alienígenas. Nesse texto, os astronautas extraterrestres (as Coisas Antigas – de blavatskiana consistência vegetalóide) foram os criadores de toda a vida da Terra, entre a qual se destacam duas importantes espécies antagónicas: a dos Shoggoths, escravos capazes de adquirir qualquer forma e que foram usados pelas Coisas Antigas para construir as cidades e os monumentos de outrora; e a humana, criada por simples curiosidade científica.
Esta noção de uma espécie criada por extraterrestres para servir de escrava foi usada pelo autor azerbeijano-americano Zecharia Sitchin no seu infame sequestro de elementos e destraduções da mitologia mesopotâmica, reunidos na amálgama intitulada The Twelfth Planet (O Décimo Segundo Planeta), editado em 1976. Este livro de Sitchin pretende ser uma tradução fidedigna (na realidade, apresenta-se como a “única” tradução fidedigna) de placas de escrita cuneiforme suméria que contam como uma alegada espécie extraterrestre, chamada Anunnaki, veio à Terra, aterrando na região da antiga Mesopotâmia, e criou a espécie humana para ser sua escrava em escavações de ouro, sem o qual os Anunnaki não seriam capazes de regenerar a atmosfera do seu planeta, chamado Nibiru (o título do livro relaciona-se com o “facto”, descoberto por Sitchin, de que os antigos sumérios consideravam o Sol e a Lua como planetas, daí que o dos Anunnaki passava a ser o décimo segundo – ou seja, nesta história, sem pés nem cabeça, os antigos sumérios, além do Sol e da Lua, já conheciam os nove planetas do sistema solar).
Em certos círculos de teoristas das conspirações e ovniologistas marginais, os Anunnaki de Sitchin são equivalentes aos Reptilianos: répteis extraterrestres de feitio antropomórfico, ao jeito dos invasores fictícios da série televisiva V: A Batalha Final, que, segundo David Icke, ex-locutor desportivo inglês, tornado “filho de Deus” e denunciador do plano reptiliano pelo controlo mundial, provêm (adequadamente) da constelação Alfa Draconis e, tal como os Shoggoths de Lovecraft, têm o poder de trasmutar de forma – os seus disfarces preferidos são os de monarcas europeus, líderes políticos mundiais e actores de Hollywood. Talvez não seja coincidência que uma das influências para a construção do mito reptiliano extraterrestre seja a dos homens-serpentes das histórias dos bárbaros Kull e Conan, inventados pelo escritor norte-americano Robert Ervin Howard, grande amigo epistolar de Lovecraft: essas criaturas, de origem enublada nas eras pré-dinossáuricas, têm como objectivo infiltrarem-se entre os homens, assumindo os seus semblantes, de maneira a governarem na sombra para ganhar o controlo do mundo. (À beira de o conseguirem, foram derrotadas por Kull, um sobrevivente da Atlântida.) No entanto, a Teoria da Génese Extraterrestre, popularizada por Sitchin, entre outros, e inventada por Lovecraft, como vimos, foi apresentada pela primeira vez ao público como “factual”, em 1960, no livro Le Matin des Magiciens (O Despertar dos Mágicos), de Louis Pauwles e Jacques Bergier.
Escrito pelos editores da revista de ficção científica Planète, criada no início de 1960 e que publicou muitos contos de Lovecraft, Le Matin des Magiciens pode resumir-se como uma viagem alucinante pela cultura marginal de meados do século passado, desde várias teorias da conspiração, pseudo-arqueologia, piramidologia, misticismo nazi, teorias sobre Antigos Astronautas e Génese Extraterrestre. Aliás, o próprio Lovecraft é referido em Le Matin des Magiciens como tendo sido um observador dos extraterrestres ocultos (em conjunto com o escritor inglês Arthur Machen, que Lovecraft admirou e emulou), por conseguinte a influência lovecraftiana sobre Pauwles e Bergier é inegável. O livro provou ser muito influente, principalmente na Europa, e esteve na origem de outro título, mais influente ainda, que se tornou a Bíblia dos teoristas dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre. Esse trabalho, publicado em 1968, largamente responsável pelo estado das coisas a que chegámos, foi escrito por um recepcionista suíço de hotel, chamado Erich von Däniken.
Von Däniken é o Papa dos teoristas dos Antigos Astronautas e da Génese Extraterrestre; juntamente com Giorgio Tsoukalos, Sitchin e outros chicaneiros, é um convidado regular da série Ancient Aliens. Copiando trechos da edição alemã de Le Matin des Magiciens, editada em 1963, e de livros do francês Robert Charroux – outro pseudo-historiador de que os conhecedores destas matérias deverão lembrar-se; autor de, entre outros, Histoire Inconnue des Hommes Depuis Cent Mille Ans (História Desconhecida dos Homens) -, Von Däniken escreveu o livro mais popular e influente do género: Erinnerungen an die Zukunft, que significa Memórias do Futuro, mas que foi traduzido para inglês com o título Chariots of the Gods? (Carruagens dos Deuses?), pelo qual ficou conhecido internacionalmente. No fundo, Erinnerungen an die Zukunft nada tem de original: é um apanhado de tudo o que foi escrito sobre o tema até à data da sua edição, mas, inversamente a Le Matin des Magiciens e aos livros de Charroux (que só chegaram aos Estados Unidos na década de Setenta), tornou-se, de imediato, um sucesso de vendas norte-americano, com milhões de exemplares vendidos num curto período, beneficiando de uma publicidade televisiva estonteante. Não demorou muito até que o próprio livro fosse adaptado à televisão num “documentário” de três horas de duração, intitulado In Search of Ancient Astronauts (À Procura de Antigos Astronautas), produzido por Alan Landsburg e narrado pelo famoso Rod Serling, criador da série The Twilight Zone (A Quinta-Dimensão) – ambos crentes nas revelações de Von Däniken (Landsburg até escreveu a sua própria imitação de Chariots of the Gods?).
Von Däniken foi, finalmente, desmascarado quando confessou ter forjado as “provas” da existência de uma subtérrea cidade extraterrestre, escondida numa selva do Equador: foi o próprio Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar a Lua, que liderou a expedição científica para desmistificar esse dito achado pseudo-arqueológico. Armstrong não encontrou nada, como seria de esperar, e Von Däniken teve de admitir que inventara a história. Ainda assim, a memória do público é de curta duração e ei-lo, novamente, nos ecrãs, a repetir as mesmas charadas e as mesmas aldrabices para ouvidos novos.
Em 2011, o cineasta inglês Ridley Scott disse que o seu filme Prometheus, espécie de prequela de Alien: O Oitavo Passageiro (1979) se debruça sobre algumas ideias de Von Däniken, no que concerne à génese extraterrestre da vida terrena, mas, na verdade, seria mais correcto dizer que se debruça sobre algumas ideias de Lovecraft sobre a génese extraterrestre da vida terrena: aliás, o cineasta mexicano Guillermo Del Toro foi impedido de seguir com a produção da sua adaptação cinematográfica de At the Mountains of Madness, história onde essa ideia surge pela primeira vez, porque o estúdio Universal Pictures percebeu que o enredo era demasiado parecido com o de Prometheus (com efeito, Prometheus é que é um desgraçado arremedo de At the Mountains of Madness).
No clímax de Prometheus, um dos monstros transmutáveis criado pela negra fórmula líquida dos engenheiros extraterrestres – arma bioquímica que perverte o ADN dos organismos com que contacta – impugna um dos próprios engenheiros, numa evidente colagem à linha narrativa de At the Mountains of Madness que conta como os Shoggoths se revoltaram contra os seus criadores, as Coisas Antigas. Scott até pode achar, por desconhecimento, talvez, que o seu filme vai, de facto, ao encontro de temas dänikianos, mas o resultado final é totalmente lovecraftiano. O problema, porém, não são filmes medíocres como Prometheus (por mais anti-ciência que sejam), nem histórias intrigantes e provocantes como At the Mountains of Madness (por mais pró-ciência que sejam), porque são apresentados ao público tal qual como são: ficções. Em oposição, produtos pestíferos como Ancient Aliens são apresentados ao público como sendo factuais. Ora, cada um tem direito a ter as suas próprias ficções, sejam elas opiniões ou fantasias, mas não se pode ter factos próprios.
Adaptação de um texto publicado originalmente a 6/9/2013 no blogue cadernosdedaath.blogspot.com.