Em cada ano nunca faltam as «grandes», as «importantes» efemérides a assinalar, quer sejam relativas a nascimentos e/ou falecimentos de notáveis figuras históricas ou à ocorrência de acontecimentos fundamentais. Neste ano de 2022 que há pouco começou decorre – aliás, já desde o ano passado, mais concretamente a partir de 16 de Novembro de 2021 – a celebração do primeiro centenário do nascimento de José Saramago.
No sítio da Internet da fundação que leva o nome do único escritor de língua portuguesa a ser galardoado com o Prémio Nobel est(ar)á, obviamente, toda a informação referente ao programa das comemorações. Que são apresentadas em texto de Carlos Reis, comissário para o centenário: «Assinala-se a 16 de Novembro de 2022 o centenário de José Saramago. Tal como em circunstâncias semelhantes acontece com outros grandes vultos, a efeméride constituirá uma oportunidade privilegiada para a consolidação da presença do escritor na história cultural e literária, em Portugal e no estrangeiro. E também para se prestar homenagem à sua figura como cidadão. Aquela consolidação envolve a revisitação de uma actividade literária e cívica que marcou a cena portuguesa e internacional durante décadas, mas que vai além disso; inclui-se nela a afirmação de uma obra com uma vitalidade inquestionável, bem como a acentuação do pensamento social, político e ético de José Saramago. E também o que desse pensamento ressoa no nosso presente. A “Carta dos Deveres e das Obrigações dos Seres Humanos” sintetiza, pelo seu espírito e pelos seus efeitos, muito do legado saramaguiano. A atribuição do Prémio Nobel da Literatura confirmou uma consagração internacional que fez de José Saramago uma personalidade com grande significado, para além das fronteiras de Portugal. Assim, Saramago define-se hoje como um “escritor do mundo”, com presença expressiva em manifestações artísticas, educativas, políticas e sociais com vasta disseminação e efeitos variados. Incluem-se nesses efeitos os que decorrem da presença da obra saramaguiana no nosso sistema de ensino e na difusão da língua e da cultura portuguesas no mundo. Em articulação com outras entidades, a Fundação José Saramago está a preparar um amplo programa de evocação do centenário, distribuído por quatro eixos: o eixo da biografia, dando atenção ao trajecto biográfico, formativo e cívico do escritor, em relação com a sua produção literária; o eixo da leitura, entendendo-se o centenário do escritor como momento adequado para se revigorar a leitura da sua obra e também para conquistar novos leitores, desejavelmente jovens; terceiro, o eixo das publicações, tanto no plano das obras evocativas, de divulgação ou de extensão transliterária, como no das edições ilustradas, com iconografia do escritor e da sua obra; o eixo das reuniões académicas, uma vez que José Saramago é um escritor com forte presença na academia, em Portugal e no estrangeiro, motivando reuniões científicas em diferentes locais. Pode antecipar-se desde já que o centenário de José Saramago desencadeará iniciativas de entidades muito diversas, em Portugal e noutras partes do mundo. Nesse contexto, a Fundação José Saramago (FJS) assumirá o papel central que lhe cabe, respeitando, evidentemente, a autonomia dos actores e das instituições que venham a dar contributos próprios ao centenário.» (Erros ortográficos do original corrigidos).
Consultando, lendo, o programa, nele não parece constar – pelo menos por enquanto, e isto admitindo a hipótese de que a actual versão não é a definitiva – qualquer iniciativa que (re)afirme e valorize o (inquestionável) estatuto de José Saramago como um dos mais importantes e talentosos autores de ficção científica e fantástico portugueses. Porém, da nossa parte nunca cessará essa (legítima) «apropriação», que António de Macedo primeiro enunciou e outros posteriormente partilharam, entre os quais eu e mais concretamente no meu artigo «A nostalgia da quimera», publicado em 2011: «Como não atribuir um significado muito especial ao facto de o (até agora) único Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa ter várias obras – provavelmente, as suas principais – que se podem (e devem) inserir no género fantástico, nomeadamente “Deste Mundo e do Outro”, “O Ano de 1993”, “Objecto Quase”, “Memorial do Convento”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “A Jangada de Pedra”, “A Segunda Vida de Francisco de Assis”, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Ensaio Sobre a Lucidez” e “Caim”?»
Por tudo isto, e não apenas por ter conquistado o mais importante galardão cultural mundial, José Saramago pode e deve ser colocado no mesmo grupo restrito de visionários seus contemporâneos como Arthur C. Clarke (nascido em 1917), Isaac Asimov, Ray Bradbury (ambos em 1920) e Stanislaw Lem (1921). Todos eles autores que se distinguiram por terem sido, e ainda serem, expoentes da verdadeira grande literatura, a que continuamente expande os limites da imaginação.