Não é por acaso que o mais famoso detective do século XIX, Sherlock Holmes, primava pelo raciocínio lógico. No final desse século, a comunidade científica acreditava na verdade objectiva, no positivismo. Se soubéssemos o suficiente, julgava-se, poder-se-ia controlar tudo. Mesmo casos aparentemente sobrenaturais, como O Cão de Baskerville, acabavam por ter uma solução racional e se eliminássemos o impossível, diria Holmes, ficaríamos sempre com o possível, por improvável que fosse, assumindo, desde logo, que um ser humano seria capaz de pensar em todas as variáveis possíveis.
No início do século XX, no entanto, esta premissa começou a ser questionada. A psicanálise de Freud, a relatividade de Einstein, a incerteza de Eisenberg, os trabalhos de Thomas Khun, Sartre, Lacan e outros, demonstraram o poder e a essencialidade da subjectividade. A realidade talvez não fosse assim tão objectiva ou, no mínimo, se existisse realmente uma verdade objectiva, talvez esta fosse incognoscível, já que as nossas falhas humanas não nos permitiriam «ver» essa verdade de forma limpa.
Este desenvolvimento é acompanhado pela evolução da Ficção Científica. Já não nos focamos necessariamente em histórias objectivas, como em Verne, Rice Burroughs ou H.G.Wells (a escrita de A Guerra dos Mundos, por exemplo, é praticamente jornalística). Em vez, mudamo-nos para temas mais subjectivos incluindo o tema cada vez mais recorrente da consciência. Antes, havia o foco em temas neuróticos, com base nos problemas de relação, nas questões mais sociais. Vejamos Star Wars, que trata claramente do conflito edipiano: filho contra pai. E o mesmo se passa , por exemplo, com Super-Homem¸ que quer apenas responder de forma digna ao planeta que o acolheu. Porém, o foco da Ficção Científica foi mudando ao longo do século XX mais e mais para temas psicóticos, em que a própria estrutura da realidade é posta em causa. Ergo, o tema da consciência.
O contraste surge de forma clara nas duas versões televisivas de Battlestar Galactica. A primeira versão é ainda focada em conflitos básicos: homem contra máquina. As máquinas são brutas, implacáveis, básicas e más. Pelo menos tão más quanto o homem que as domina. Os sobreviventes da Humanidade estão como que a lutar contra uma força da Natureza, uma parede de betão. Não há argumento possível nem negociação possível. É a luta selvagem pela sobrevivência. Mas a realidade não é posta em causa. A segunda versão de Galactica, no entanto, segue por um caminho consideravelmente diferente. Um caminho em que as personagens se perguntam quem são. Serão humanos ou máquinas? E o que faz a diferença? Aquilo que vêem é a realidade ou uma mentira? O que procuram é fruto do destino ou do livre arbítrio? Etc, etc.
O mestre do tema da consciência é, no meu entender, Phillip K. Dick, como vemos nos contos que originaram filmes como Total Recall ou Blade Runner, ou também no romance O Homem do Castelo Alto, agora trazido para a televisão pelas mãos da Amazon. Mas várias outras obras de referência têm surgido a focar o tema, como Matrix¸ Inception, ou mesmo Avatar. E a tendência alarga-se: vejam-se filmes como Edge of Tomorrow, Sphere, Oblivion, e muitos outros. Na televisão, destaco a excelente série dos Wachowski e de J.J. Abrams: Sense 8, onde oito personagens partilham a mesma consciência. E também a recente Falling Water, onde se questiona onde acabam e começam os sonhos e onde acaba e começa a realidade.
Mas a jóia desta coroa televisiva é, na minha opinião, a nova série da HBO com a mão de Jonathan Nolan: Westworld. No filme original de 1973, Yul Brynner surge como um robô descontrolado num parque temático do futuro, onde clientes endinheirados assumiam identidades num falso velho Oeste. Mais uma vez, este filme de Michael Crichton repete a luta antiga do Homem contra a Máquina. Por contraste, a excelente série da HBO é uma obra assumida e explicitamente sobre a consciência. Começa a consciência ao nível da memória? Na criatividade? Ou é um nível superior? Estas questões são abordadas de forma exímia, contando com representações irrepreensíveis de Evan Rachel Wood, Thandie Newton e Jeffrey Wright, para além dos soberbos Ed Harris e Anthony Hopkins.
Como nota pessoal, permitam-me focar num pormenor delicioso desta série – uma metáfora perfeita para o tema da consciência: ao longo dos episódios sempre que a cena se desloca para o saloon, ouve-se o piano automático a tocar as suas notas desafinadas; mas as músicas que este piano toca são clássicos modernos, de David Bowie, Metallica ou Radiohead. O tema da consciência causa-nos, parece-me a mim, o mesmo desconforto confortável: é reconhecível e familiar, mas faz-nos sentir que algo está errado, algo não bate certo. Este é um tema, parece-me a mim, que ainda será muito explorado nos próximos tempos, e ainda bem: é, sem dúvida, muito estimulante.