O surgimento de novas espécies foi quase sempre na história do planeta Terra um processo lento. O tempo normal para a evolução natural produzir uma nova espécie é de alguns milhões de anos. Uma nova espécie num espaço de cem mil anos é um acontecimento raro. A evolução natural é processo lento de tentativa e erro através de mutações genéticas aleatórias.
Depois da invenção da agricultura e da domesticação de animais, a humanidade passou a ter uma intervenção mais directa na criação de novas espécies. A humanidade passou a seleccionar (e cruzar) elementos com características particulares para levar ao aparecimento de novas espécias com qualidades desejadas pela humanidade. Basta pensar em quantas novas espécies de flores e cães surgiram desse modo.
O processo de surgimento de novas espécies acelerou-se com o aparecimento da engenharia genética. Os primeiros passos foram dados no século XIX com a descoberta da química orgânica elementar. No século XX foi dado um passo crucial com a descoberta da dupla estrutura helocoidal do ADN.
Depois da descoberta da biblioteca da vida era só uma questão de tempo para quase tudo ser possível nesse domínio. No final do século XX e princípio do século XXI foram alterados os códigos genéticos de espécies vegetais e animais para fins alimentares. Também, entre outras possibilidades, foram feitos novos medicamentos com base em alterações genéticas e a clonagem de animais.
A resistência à engenharia genética no final do século XXI passou a ser uma questão política importante sobretudo depois de começarem a ser alteradas espécies com o objectivo de produzir melhores animais de estimação. Diversos partidos políticos foram formados contra o uso da engenharia genética e alguns governos caíram com base nesta questão.
O clima político “aqueceu” ainda mais quando começaram a ser realizadas alterações no património genético humano. Por exemplo, modificações genéticas encomendadas por futuros pais em relação aos seus descendentes. O fanatismo religioso teve um grande impulso e os assassinatos com base nessa questão tornaram-se uma prática habitual.
Porém, apesar de toda a oposição à prática de alterações genéticas em seres humanos passou a ser rotina por três razões. Primeiro, a medicina actuava, em grande parte dos casos, sobre os efeitos e não sobre as causas das doenças. Por exemplo, em relação à miopia eram recomendados óculos e operações aos olhos com laser para corrigi-la sem alterar as causas ao nível do ADN. Essa medicina permite a muitos indivíduos sobreviver e/ou reproduzirem-se o que de outra forma não aconteceria. Isso tem como consequência a transmissão ao longo das gerações de genes com defeitos que tendem a agudizar-se.
Segundo, a evolução dos computadores. Por um lado, a lei de Moore1 continuou a funcionar durante todo o século XXI. Por outro lado, os computadores passaram cada vez mais a utilizar processos similares aos do cérebro humano. Sem uma rápida evolução da humanidade, os computadores deixariam de ser controláveis por serem demasiado inteligentes.
Terceiro, a aplicação da engenharia genética na espécie humana trouxe grandes vantagens aos que utilizaram essa capacidade em primeiro lugar. Algumas das vantagens directas foram um aumento da longevidade, maior inteligência e uma melhor visão. Tornou-se assim difícil fechar a caixa de Pandora depois de aberta. Os benefícios eram demasiado vastos para serem colocados de lado.
Até ao século XXIV a espécie humana continuou a ser a espécie humana. Melhorada é certo mas essencialmente a mesma. Doenças genéticas (com excepção de um pequeno grupo de fanáticos) como a dos pèzinhos eram apenas um lembrança do passado.
No final do século XXIV a nanotecnologia (manufactura molecular) sugerida pelo vencedor do prémio Nobel da Física Richard Feynman em 1959 tornou-se uma realidade consistente e economicamente viável. A engenharia genética sofreu um grande salto com isso. Mesmo a alteração de genes em indivíduos humanos já desenvolvidos (adultos) tornou-se possível.
Uma das primeiras consequências da nanotecnologia na engenharia genética foi tornar possível tempos de vida indefinidos. Naturalmente cada ser humano tinha a sua noção do que deveriam ser os próximos passos da evolução e tinham todo o tempo do mundo para aplicá-los no seu corpo.
No espaço de um século surgiram alguns milhares de indivíduos que não se podiam cruzar naturalmente com os ainda membros da humanidade. Depois quase todos os individuos da humanidade se tornaram espécies de um só elemento ao realizarem inúmeras alterações no património genético.
1 Duplicação da capacidade de processamento dos computadores de ano para ano.