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Reencontro (bib.) é um conto curto de horror (ou algo assim) de Diogo Falcão que esteve bastante longe de me agradar. Começa logo por o texto propriamente dito não me convencer por completo. Não é mau, mas podia ser melhor, e tem alguns pormenore…
Quem já leu esta trilogia e anseia por mais? Nós por aqui estamos bastante entusiasmados!!! Mais informações aqui e sobre o autor e a sua obra aqui.
Em breve, publicarei aqui, nos Cadernos de Daath, uma entrevista extensiva que fiz pessoalmente ao cineasta e escritor António de Macedo: foram quase cinco horas de conversa, sobre os mais variados assuntos; em principal sobre a obra cinematográfica …
A Minha Recomendação de hoje chega-nos dos confins da memória. Estava-se em 1984 e noutro país: um país de escudos que mantinha fronteira com Espanha, apenas tinha uma ponte olissiponense sobre o Tejo e o microprocessador dominante não era Intel mas algo chamado Z80A que sustentava uma pequena caixa chamada Spectrum na qual muitos dos actuais programadores-séniores aprenderam o ofício.
Nesse ano, um ano mágico para a FC, que chegou a assistir à publicação mensal de quatro livros da colecção de bolso da Europa-América, aos quais se acrescentava a contribuição unitária da colecção Argonauta (compare-se com o raquítico número de quatro a cinco títulos por ano de hoje em dia), mantinha-se, ainda que de forma pouco convicta, uma colecção de bolso que juntava todos os «géneros menores» no mesmo prato: a BolsoNoite da Europress. Livrinhos pequenos de identificação cromática por tema, cujos números alternavam entre Western (tons amarelos), FC (tons azuis), Terror (tons negros) e Policial (tons vermelhos).
A Europress tinha uma tendência para publicar os mais conhecidos autores de pulp fiction nacional dos anos 70 (Roussado Pinto e Luis de Campos) – creio que o próprio Luis de Campos chegou a dirigir a colecção – e inclusive andou à procura de originais portugueses de FC. O primeiro livro do género seria a novelização do filme Tron, em 1983 (o qual me levou a ter uma nota menos boa num teste de História pois na véspera, ao invés de embrenhar-me nos estudos, perdi algumas horas a ir ao cinema e a desvendar o livro – há traumas que marcam, mas que valem a pena…), e desde então a colecção lá ia sendo publicada com ritmo irregular.
Obviamente que prestava mais atenção aos títulos de FC que dos outros géneros, embora então cultivasse um leque de leituras muito diversificado, graças ao tempo e ao interesse, que eram mais latos. A BolsoNoite incluia autores pouco habituais da Argonauta e da Europa-América, em particular o John Brunner. Após um interregno, chegaria a incluir, disfarçadamente, Um Caso de Consciência, de Blish, e A Rosa, de Harness, numa fase posterior de tentativa de reanimação falhada por parte da editora. Foi no entanto a primeira colecção a apresentar-nos C. J. Cherryh, e em particular, Vaga Sem Praia.
Vaga Sem Praia é uma novela curta e relativamente ligeira, que decorre na cidade de Kierkegaard do continente de Sartre do planeta Liberdade. Nessa terra, vive uma cultura humana cujo cerne da existência é o desenvolvimento do Eu. Não o Eu enquanto oposição perante o universo, mas o Eu enquanto medida de todas as coisas. O Eu enquanto centro e motivo de existência da própria realidade. Daqui decorre um conflito inevitável entre percepção e possibilidade, posto a nu pela interrogação do artista. Este artista é Herrin, cuja maestria com o cinzel e a pedra o tornam no mais popular e conceituado cidadão de Kierkegaard, despertando inveja e ressentimento em Waden, que faz o papel de político e de protagonista opositor nesta história (só mesmo na literatura é que os artistas são mais influentes que os políticos…) Para complicar são apresentados alienígenas e humanos Invisíveis, à margem da sociedade, ignorados por decreto social, cuja existência deverá ser integrada no fim para se atingir uma verdadeira compreensão do cosmos e em grande medida do Humano.
Se esta descrição não parece entusiasmante, o problema é da descrição e das décadas que separam a minha leitura, e não do livro. É, creio, um livro para jovens, ou para mentalidades jovens, ainda capazes de questionar o instituido e aceitar o diferente. Apresentar-nos de forma vívida sociedades de seres como nós mas que pensam de forma inesperada, com sistemas de valores quase incompreensíveis, é uma das grandes e antigas competências da FC. Este livro vale por isso, e pelas questões de identidade que coloca (o que é o Eu? Em que medida o Eu determina o valor do Outro?).
Pensar que em tempos se conseguia escrever FC assumidamente filosófica, ambientada em terras estranhas para disfarçar parecenças com a nossa… Pensar que, mais do que a dificuldade de publicar-se obras recentes de FC, encontrar hoje um editor que apostasse numa obra destas – cuja natureza está na especulação intelectual e não no ritmo trepidante da acção – é uma probabilidade estatística inferior à congelação de uma panela de água quando colocada ao lume…
Se correrem, vão encontrá-la nesta Feira do Livro – espero. Costumava ser vendida no meio de packs de 3 títulos da colecção. Com um pouco de sorte, mesmo passados tantos anos, continuará ainda à vossa espera.