Hoje vou falar para os escritores. Vou referir-me a alguns elementos de estrutura e de escrita que se calhar são mais concretos e mais avançados dos que normalmente se fala em aulas de escrita criativa, mas que espero sejam úteis.
O título refere o Gráfico. Ora, que gráfico é esse? Se repararem em qualquer história, em qualquer filme, em qualquer livro, estou certo que identificarão momentos em que a acção é mais intensa, é mais fluída e rápida, e momentos em que a acção é mais lenta e descritiva, naturalmente menos intensa. É como se estivéssemos a ver um gráfico de intensidade a subir e a descer. Assim, os pontos baixos do gráfico são os que sentimos como mais lentos, mais arrastados, mais descritivos, de menos acção.
Há muitos excelentes autores que gostam de ter o gráfico baixo, subindo-o lentamente e criando um efeito de bola de neve à medida que o fim se aproxima, por exemplo. Não tenho nada contra isso. Eu, pessoalmente, gosto de ter o gráfico alto. Gosto de ter intensidade e acção na maior parte das páginas que escrevo. Aqueles que já leram o meu romance «A Saga de Alex 9» estou certo que concordarão comigo. Se pensarem nessa história, julgo que sentirão que o gráfico tem a tendência a subir, ou a manter-se alto. Sempre que tinha uma linha de acção com o gráfico mais baixo, procurei intercruzá-la com outras linhas de acção que tivessem o gráfico alto, de modo a nunca baixar muito o ritmo.
Uma coisa com que me tenho debatido ao longo dos últimos anos é na harmonia da intensidade, no modo como os pontos altos e baixos se interligam entre si. Às vezes, os pontos baixos do gráfico podem tornar-se demasiado inactivos, demasiado passivos, demasiado chatos. E os pontos altos demasiado frenéticos, que impeçam a história de continuar a subir. Vou então falar-vos um pouco sobre isso.
Já referi noutras alturas, noutros sítios, a Beat Sheet de Blake Snyder, o meu instrumento favorito de construção de estrutura que muito me tem ajudado ao longo dos últimos anos. Basicamente, Snyder pega na estrutura clássica de três actos que nos vem desde Aristóteles e divide-a em 15 beats específicos que nos permitem alimentar a história. Nestes beats, há claramente uns que promovem pontos altos no gráfico: Fun & Games, por exemplo, é um momento clássico de acção e de coisas interessantes a acontecerem, no início do segundo acto. Bad Guys Close In, na segunda metade do segundo acto, é outro ponto onde é natural haver acção e o gráfico sobe. Mas também há momentos que promovem um ponto baixo no gráfico.
A estrutura de Snyder começa com uma imagem inicial. Vamos seguir o Matrix como exemplo. A Initial Image é o telefonema de Trinity e a sua luta com a polícia, até ao momento em que quase é esmagada pelo caminhão na cabina telefónica. Gráfico Alto, certo?
A seguir, temos um período de Gráfico Baixo. É o que chamamos o Set-Up, em que as personagens e o tema são estabelecidos. No Matrix, vemos Neo sentado ao computador, vêmo-lo a traficar software, a ir a uma discoteca, a conhecer e a conversar com Trinity. Em todas estas cenas, o gráfico está baixo.
A seguir, temos o Catalyst, o catalizador, ou o inciting incident, como outros chamam. A história começa a rolar quando Neo recebe o telefonema de Morpheus no telemóvel e tenta fugir da polícia trepando para o parapeito do arranha-céus. Gráfico Alto, concordamos?
Passamos para o Debate, em que o protagonista se debate se deve entrar ou não na aventura que aí vem. Em Matrix¸temos o estranho interrogatório de Mr.Smith, Neo acorda no seu quarto, faz uma viagem de carro com Trinity, exigem que ele escolha «our way or the highway», e por fim conhece Morpheus. No momento em que Neo decide engolir a pílula vermelha que Morpheus lhe oferece, entramos no Acto Dois.
Ora, o Set-Up e o Debate são momentos típicos em que o Gráfico fica baixo. São momentos de pouca acção. Em Matrix, no entanto, temos um filme bem feito em que mesmo nestes momentos de Gráfico Baixo, nunca sentimos a história a desacelerar ou vontade de desligar do filme. Isto porque os escritores conseguiram manter a acção, mesmo quando ela não é física: mantiveram-na na mente do protagonista. E fizeram-no usando o que vou chamar de instrumentos de baixa energia, como os seguintes:
- Incógnitas: elementos que ficam em suspenso; dados que são sugeridos mas que o leitor/espectador e/ou o protagonista ignoram. O que é o white rabbit? O que se passa com o computador? O que é a Matrix? Quem é Morpheus? Quem é Trinity? Quem são os Agentes? Estas incógnitas mantêm-nos a curiosidade e mantêm-nos atentos e com vontade de continuar a ler/ver.
- Pequenos Estímulos, Positivos e Negativos: pequenas coisas que, por si sós, são temporárias e podem não ter implicações mais à frente, mas que nos criam imediatamente uma reacção emocional. Quando Trinity surge na discoteca, o sentimento de atracção e de sensualidade entre ela e Neo mexe imediatamente connosco. Por outro lado, de forma negativa, o sermão que Neo/Anderson leva do chefe no dia seguinte por chegar atrasado, incomoda-nos imediatamente. São estímulos pequenos, de que depois nos vamos esquecer, mas que nos alimentaram naquele momento.
- Plot Points: são momentos em que o enredo muda de direcção, em que algo de importante acontece. Podem ser plot points de grande importância, como a entrada no Acto Dois – Neo escolhe a pílula vermelha; ou a entrada no Acto Três – Neo decide resgatar Morpheus. Ou podem ser pequenos plot points, que são usados em momentos de Gráfico Baixo para nos manter interessados. Por exemplo: no Set-Up, Neo recusa ir para a discoteca com os seus clientes, prefere ficar no seu apartamento, mas então vê o white rabbit no ombro da rapariga e muda de ideias. Ou, no Debate, Neo pode colaborar com Mr.Smith mas mostra-lhe o dedo; ou tem a oportunidade de sair do carro de Trinity, mas decide ficar. Estes pequenos plot point são extremamente eficazes em fazer avançar a acção de forma atraente num período de Gráfico Baixo.
Enfim, julgo que o meu conselho, à laia de conclusão, é o seguinte: não subestimem os momentos Baixos do Gráfico. Trabalhem-nos com cuidado. Usem os vossos instrumentos de baixa energia para manter a narrativa interessante e a avançar. Não a deixem morrer à base de descrições intermináveis, info-dumping, ou personagens sem interesse. Pelo contrário, aproveitem os momentos Baixos para alimentar os momentos Altos. E façam-no de forma imaginativa. Vão ver que o efeito é surpreendente.