Hélice, e não um moinho de vento

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Hoje celebra-se mais um aniversário do nascimento de António de Macedo, amigo, mentor e mestre não só de mim mas também de muitos dos que em Portugal se dedicam à Ficção Científica & Fantástico. Não é a primeira vez que aqui o homenageamos no seu dia. Por isso, parabéns a ele…

… E esta data pode constituir igualmente, e finalmente, um óptimo pretexto para divulgar (com algum atraso, de que me penitencio) mais um exemplo, mais uma das demonstrações da qualidade do seu trabalho e, simultaneamente, do apreço e do respeito que granjeia. E, note-se, desta vez não é de índole nacional mas sim internacional: na sua edição de Março de 2014 (volume II, Nº 3), a revista espanhola Hélice – Reflexões Críticas sobre Ficção Especulativa inclui, nas páginas 33 a 49, o ensaio «Os mundos imaginários da literatura fantástica portuguesa», que consiste, como é explicado numa breve introdução, numa «versão adaptada do artigo “Os mundos imaginários do fantástico português”, publicado nos números 8 (2010) e 9 (2011) da revista Bang!», versão essa, evidentemente, traduzida para Castelhano. Contrariando, pois, uma vez (e é certo que outras – não muitas! – houve), o ditado «de Espanha nem bom vento nem bom casamento», do lado de lá da fronteira vieram «bons ventos» que, soprados por uma… hélice, e não um moinho de vento, permitiram a apresentação de António de Macedo a uma audiência de entendidos e de estudiosos de FC & F não só da outra metade da Península Ibérica mas também, eventualmente, dos países latino-americanos. Que puderam comprovar que o «nosso» cineasta e escritor, ficcionista, professor e investigador, a ser uma «reencarnação» de «D. Quixote», o é pela erudição e pelo espírito de aventura… intelectual e criativa; com ele, gigantes e outros seres imaginários estão apenas nos livros e nos filmes…

E como é que surgiu a oportunidade de o autor de «Os Abismos da Meia-Noite» publicar um (importante) texto na Hélice? Curiosamente, através de mim, e graças ao que foi uma autêntica coincidência… Em Outubro de 2013, quando estava a preparar-me para (começar a) assinalar e «celebrar» o décimo aniversário da edição de «Visões», recebi uma mensagem de correio electrónico de Mariano Martín Rodríguez. Apresentou-se enquanto «tradutor e estudioso espanhol de ficção científica»… e por mensagens posteriores e o curriculum vitae que me enviou, viria a ter uma descrição mais pormenorizada: profissionalmente é, desde 1995, tradutor na Comissão Europeia, em Bruxelas, mas academicamente é doutorado em Filologia pela Universidade Complutense de Madrid; conhece pessoalmente Ursula K. Le Guin, com quem colaborou na tradução para Inglês de contos de Gheorghe Sasarman, autor da Roménia – país ao qual MMR está ligado por ser ainda membro associado do Centro de Investigação Literária e Enciclopédica da Faculdade de Letras da Universidade de Cluj; faz parte do conselho editorial da Hélice. E porque é que ele me contactou através do «e-ndereço» indicado no meu blog Octanas? Porque procurou o meu nome depois de encontrar uma referência a ele numa tese de doutoramento de uma compatriota!..

… Mais concretamente, de Isabel Mociño González, da Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela, escrita em 2011 e intitulada «Estudo comparado da narrativa infantil e juvenil de ficção científica nas literaturas galega e portuguesa». Pode ler-se nas páginas 200 a 201: «(…) Unha das últimas propostas de carácter antolóxico foi a editada en 2008 por Octávio dos Santos, cuxa temática é a historia alternativa e leva por título A República Nunca Existiu! Segundo explica o propio Santos nunha entrevista á revista Bang! (2008), a idea de publicar esta selección xurdiu a raíz dunha serie de lecturas, conferencias sobre a temática e, sobre todo, da necesidade de que existan mais narrativas deste tipo na literatura portuguesa, así como a súa idoneidade ao coincidir coa celebración da efeméride do centenario do “Regicídio”, un feito que marcou a historia do país e que se ficcionaliza desde o punto de vista da súa inexistencia. Como consta na introdución do antólogo, os creadores reunidos no volume son persoas ás que el coñece ou das que leu textos que lle interesaron, ademais de que entre elas hai unha serie de relacións que especifica, como o ter publicado na mesma colección, formar parte do mesmo faladoiro ou ter participado en actividades conxuntas. Por outra parte, as liñas mestras nas que se vertebra o proxecto son dúas: o Regicídio do 1 de febreiro de 1908 non aconteceu e a República non se instaurou en Portugal en 1910, feitos históricos que dan paso a un Portugal diferente do que existe actualmente. Entre os catorce autores que asinan as historias alternativas figuran: Luísa Marques da Silva, María de Menezes, Sérgio Sousa-Rodrigues, Alexandre Vieira, Bruno Martíns Soares, Luís Bettencourt Moniz, João Aguiar, Luís Rechheimer de Sequeira, Miguel Real e Gerson Lodi-Ribeiro, entre outros. (…)»…

… E na página 215: «(…) En 2003 viu a luz Visões, de Octávio dos Santos (Lisboa, 1965), unhacolectánea de contos de carácter moi diverso, incluída na colección “Bibliotheca Phantástica”, dirixida por António de Macedo, que asina o prefacio que acompaña a obra e no que repasa brevemente a “ficção especulativa” portuguesa do século XX. Salienta nesta obra de Santos a influencia de autores como Mário-Henrique Leiria e Romeu de Melo, do que percibe unha gran pegada no conto “Decreto Lei N.º 54”, da súa obra Casos do Direito Galáctico (1975). Entre os contos incluídos na colectânea figuran “A caixa negra” e “Caminhos de ferro”, que foron seleccionados como merecedores de publicación pola asociación Simetria na edición de 2000 do seu Prémio Literário de Ficção Científica. Esta primeira obra de Santos tamén se publicou en 2005 en “audio-livro” e deu paso a unha prolífica actividade do autor, como iremos vendo. (…)» E na página 218: «(…) Entre os últimos títulos publicados figura a novela Espíritos das Luzes (2009), de Octávio dos Santos, considerada unha das primeiras obras portuguesas de ficción científica “steampunk”, na que se propón un pasado alternativo suxeito a un desenvolvemento moi avanzado tecnoloxicamente e con comportamentos sociais tamén diferentes. Esta novela sitúase na liña temática da antoloxía A República Nunca Existiu! (2008), organizada polo propio autor, como xa vimos, e que agora, con abondosa documentación, recrea unha historia ambientada no século XVIII, na que emprega unha linguaxe propia da época para caracterizar os personaxes, cunha concepción entre o místico e o científico, e onde Portugal é un planeta e non un país. A historia narrada xira ao redor da visita dun rico habitante do planeta Inglaterra, William Beckford, que desexa ver as obras de reconstrución de Lisboa, tres días despois do terremoto de 1755, visita na que é acompañado polo poeta Bocage. Ao longo dun día achéganse a alguns dos edificios máis emblemáticos da época e durante o percorrido vanse cruzando com personaxes da época, caracterizada pola loita entre o Escurantismo e o Iluminismo. (…)» Evidentemente, o meu não é o único nome da FC & F nacional a ser citado: há também alusões aos trabalhos de, entre outros, António de Macedo, Isabel Marques da Silva,  João Aniceto, João Barreiros, Luís Filipe Silva, Maria de Menezes…

Mariano Martín Rodríguez procurou-me e contactou-me não tanto por causa de «A República Nunca Existiu!» nem de «Espíritos das Luzes» mas sim principalmente por causa de «Visões», e, mais especificamente, de um dos contos que integra aquele meu primeiro livro, «Decreto-Lei Nº 54» – destacado por Isabel Mociño González que, deduzo, acedeu e leu o prefácio escrito por António de Macedo. E porquê aquele conto? Porque MMR pensou que poderia eventualmente inserir-se no âmbito de um «sub-sub-género» (expressão minha) da FC & F que ele designa de «fictoprescrição», e que abrange «todos os textos prescritivo-normativos que geram um universo fictício». Não tendo um exemplar de «Visões», Mariano pediu-me que lhe enviasse um ficheiro com um conto, o que fiz; e prometi-lhe que lhe ofereceria um exemplar da minha obra de estreia, o que fiz…

… A 17 de Março deste ano, aquando da visita dele a Portugal. Nesse dia, e juntamente com Daniel Tércio, Luís Bettencourt Moniz e Luís Miguel Sequeira, conhecemo-nos pessoalmente e almoçámos em Lisboa, na Biblioteca Nacional, onde ele esteve cerca de uma semana procedendo a pesquisas bibliográficas – todas, ou quase, relacionadas com autores portugueses de Ficção Científica e Fantástico; e jantou, num restaurante da capital, com António de Macedo, João Barreiros e Luís Filipe Silva. Dos dois encontros, e além de longas e frutuosas conversas, Mariano Martín Rodríguez levou bastantes livros, quase todos autografados. E é assim que as coisas podem e devem acontecer: o acaso, a curiosidade, a persistência, a informalidade, também podem dar azo a contactos, a trocas de informações, a intercâmbios mutuamente úteis, com inúmeras e importantes potencialidades.

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