Está previsto para o dia 8 de Agosto o lançamento de um novo livro do Arthur C. Clarke, que aparentemente já está a venda na Amazon (com duas capas diferentes!). Sim, eu sei que Sir Clarke faleceu recentemente, mas, segundo a informação de que disponho, teria o texto já muito avançado, e como tem um co-autor, Frederik Pohl — escritor que eu também aprecio — penso que não se trata de mais um caso de «exploração para além da morte». A história provará se tenho razão.
Imagino que ainda vá demorar algum tempo até eu ter na mão tal obra, mas nestas coisas, em que antecipamos algum prazer, a parte da antecipação faz parte do gozo e, quantas vezes, revela-se melhor que a realidade que até pode ser uma desilusão.
Pelo título, e pelo que tem transpirado, o livro deve dar alguma importância ao «último teorema de Fermat». Esse problema, que tem uma formulação bastante simples, permaneceu mais de 3 séculos sem ser demonstrado (antes de ser demonstrado não deveria ser chamado teorema, mas sim conjuntura), apesar de existirem prémios para quem o conseguisse demonstrar e inúmeras «demonstrações» que se revelaram posteriormente estarem erradas. Aliás, deve ter sido o teorema mais badalado, não só pelos prémios previstos para quem o demonstrasse, como pela extrema simplicidade da sua descrição, acessível a um (bom) estudante liceal. Acrescento a isto que o próprio Fermat anunciou ter uma demonstração do teorema, uma demonstração que porém nunca foi encontrada (a maioria dos que investigaram o assunto, está convencida que Fermat estava enganado, e que nunca tinha conseguido tal demonstração, apesar de Fermat ter sido um dos melhores matemáticos de todos os tempos e nos merecer todo o crédito).
O livro gira aparentemente em torno de um matemático que consegue uma demonstração simples para o teorema de Fermat, o que desperta a atenção da CIA (por mim deveria ter antes despertado a atenção do NSA, mas eles lá sabem). Refiro uma demonstração simples, porque já temos uma demonstração «complicada». Em 1994 Wiles apresentou uma demonstração que é descrita ao longo de centenas de páginas. Apesar de tal demonstração estar a anos-luz do meu conhecimento da matéria , nunca pus de parte a hipótese de haver algum erro na demonstração de Wiles. Numa demonstração tão complexa há sempre alguma probabilidade de algum erro passar despercebido o que porém parece menos e menos provável à medida que o tempo passa. Note-se que numa versão anterior da demonstração de Wiles foi encontrado um erro, eufemisticamente chamado de «salto sem justificação», erro esse que Wiles conseguiu corrigir posteriormente.
Mas porque estaria a CIA interessada na demonstração do último teorema de Fermat? Não sei, porque ainda não li o livro, mas muito provavelmente porque o teorema estaria ligado à criptografia. A criptografia, para quem não saiba o significado de um nome tão complicado, é um ramo da matemática aplicada que fornece, entre outras coisas, os métodos que permitem ao número do nosso cartão de crédito ser enviado para alguma loja virtual através da Internet, sem que seja possível a sua captura por terceiros. Os mais paranóicos usam mesmo a criptografia para manter protegidos os dados no computador (diz-se então que os dados estão «encriptados»). Ao contrário do que muita gente possa pensar, os teóricos desses assuntos estão convencidos que nem as agências governamentais de maior orçamento, conseguem ler o que está assim protegido, razão porque algumas vezes se tem tentado proibir o uso dessas técnicas e mesmo proibir algum tipo de pesquisa. Atenção que nada impede um juiz de nos ordenar que revelemos a nossa password, que abra o sistema, e noutros casos, ser torturados até entregarmos a password de livre vontade. Para tudo isto há contra-medidas (negação plausível) e contra-contra-medidas, etc, assunto que só por si justifica um artigo completo.
Mas voltado aos teoremas, o que é que isso tem a ver com FC? Na verdade, os métodos criptográficos mais usados são baseados em «teoremas» que ninguém conseguiu ainda demonstrar serem verdadeiros (P=NP?). Isso abre caminho à possibilidade de todos os dados que estão protegidos por essa criptografia se tornarem transparentes para quem possua um conhecimento matemático avançado, que nunca foi publicado, mas possa estar secretamente na mão de alguém, ou possa ser descoberto no futuro. Daí a importância do teorema de Fermat, que se pode imaginar ter aplicações criptográficas. Para complicar a coisa alguns autores levantam a hipótese de alguns «teoremas» básicos da criptografia, serem indecifráveis (ou indecidíveis), que não podem ser provados, nem verdadeiros nem falsos (ver os teoremas de Godel…). A demonstração de Wiles, tal como a criptografia, usam extensivamente as curvas elípticas, o que estabelece outra possivel conexão.
Curiosamente, um outro teorema de Fermat, o pequeno teorema de Fermat, é, ele sim, talvez o mais importante teorema usado em criptografia na actualidade. Permite descobrir números primos elevados, com uma pequeníssima probabilidade de erro.
Mudando um pouco de assunto, a ficção científica é razoavelmente pródiga no uso de «teoremas» matemáticos cuja demonstração é desconhecida ou complexa. O próprio Clarke usou algumas vezes esse tema. Num dos volumes da série «Rama», um personagem (uma jovem rapariga — moça para os amigos brasileiros) é referida como tendo descoberto uma demonstração simples do teorema de Fermat, provavelmente a demonstração que o próprio Fermat teria utilizado, se bem que o assunto seja relativamente irrelevante na história. No livro «The Light of Other Days», que penso não ter sido publicado em Português, mas cujo título pode ser aproximadamente traduzido por «A Luz de Outros Dias» um personagem pesquisa o passado, através de uma espécie de máquina do tempo, para bisbilhotar o trabalho do próprio Fermat. No livro «3001 – A Odisseia Final», o(s) monólito(s), transformado(s) em grande perigo para a humanidade, são neutralizados utilizando vírus informáticos tão perigoso que são apenas guardados na face oculta da Lua. Esses vírus parecem basear-se em problemas matemáticos difíceis, apesar de nem o teorema de Fermat, nem outro, ser referido.
Muito mais obras referem esses problemas, mas vou ser referir três que aprecio particularmente. Na série «Software / Wetware / Freeware / Realware», do autor Rudy Rucker, as máquinas, muito mais inteligentes que a humanidade, não podem dominar os humanos porque têm um software que tal impede (um pouco como as 3 leis do Issac Asimov). No entanto as máquinas não podem mexer nesse software — e libertarem-se do jugo — porque esse software está protegido pela demonstração de teoremas difíceis, como o de Fermat. A sua demonstração existia mas era guardada em segredo (na altura em que isso foi escrito ainda não era conhecida a demonstração de Wiles). Como os computadores não conseguem demonstrar teoremas (esse assunto também dá pano para mangas) e não podiam ler a demonstração em lado nenhum, ficavam para sempre servis da humanidade, apesar de nada contentes com a situação.
O livro «Cryptonomicon» de Neal Stephenson (ver também) lê-se como uma introdução romanceada à criptografia (e a alguma história, na altura da segunda guerra mundial).
Finalmente na obra de William Gibson e Bruce Sterling, «The Difference Engine» («Máquina Diferencial» ou «Máquina das Diferenças») os acima referidos teoremas de Godel são uma parte importante da história, apesar de isso não ser muito claro para quem não os conhece.
José Simões (com mãozinha de Raul Mendes)
Revisão (muito) posterior de Luís Richheimer de Sequeira