Não foi por acaso que, há quase exactamente um ano, em 31 de Março de 2021, o texto que escrevi e que publiquei aqui no Simetria, aludindo a estreias de filmes norte-americanos naquele ano, no género de Ficção Científica e Fantástico, tinha como imagem ilustrativa (escolhida por mim) uma referente a um desses filmes, mais concretamente «Dune», uma nova adaptação do (primeiro) livro da série escrita por Frank Herbert, realizada pelo canadiano Denis Villeneuve, depois da que foi realizada por David Lynch em 1984. Com efeito, os nomes envolvidos na produção – do elenco e da equipa – «prometiam» um trabalho de qualidade e susceptível de alcançar um êxito comercial, se não avassalador, pelo menos grande o suficiente para proporcionar um lucro não desprezável. E, na verdade, o filme conseguiu mais de 400 milhões de dólares de receita no mercado mundial, um resultado notável também por se estrear e ficar em exibição ainda num contexto global marcado pela pandemia…
… E anteontem, na 94ª cerimónia de entrega dos prémios da Academia das Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, foi o filme que mais Óscares conquistou, seis, nas categorias de cinematografia, desenho de produção, efeitos especiais, montagem, música e som. Porém, e além dos de argumento adaptado, guarda-roupa e maquilhagem, «Dune» perdeu o mais importante, o de (melhor) filme, e Denis Villeneuve nem sequer foi nomeado para (melhor) realizador. Algo de muito semelhante, quase idêntico, aconteceu em 2016: então foi «Mad Max – Fury Road» a ganhar o maior número de estatuetas douradas – igualmente seis! – mas a perder as principais, filme e realizador; ao contrário do seu colega canadiano seis anos depois, o australiano George Miller pelo menos foi nomeado. No entanto, pode alguém seriamente defender e justificar que estes dois filmes são menos merecedores – e, logo, de menor valia artística e técnica – do grande galardão do que os que foram declarados vencedores, respectivamente «Spotlight» e «CODA»? Recue-se mais uns anos e recorde-se o que aconteceu a outros três grandes – em excelência artística e em sucesso de bilheteira – filmes de FC & F. «Terminator 2 – Judgment Day», «The Matrix» e «Inception» (único dos três a ser incluído na categoria máxima) receberam, cada um, quatro Óscares, enquanto as obras eleitas «melhores» naqueles anos, respectivamente «The Silence of the Lambs», «American Beauty» e «The King’s Speech», receberam cinco, cinco e quatro. Mais uma vez se pergunta: estes são verdadeiramente superiores àqueles?
Só por duas vezes em quase 100 anos de história (os membros d)a Academia se dignaram atribuir o seu troféu máximo a um filme que inquestionavelmente se integra no género FC & F: «The Lord of the Rings – The Return of the King» (2003) e «The Shape of Water» (2017). É muito, muito pouco, vergonhosamente pouco para um enorme conjunto de obras – e que inclui aquelas baseadas em bandas desenhadas com super heróis, e não só – que há 45 anos, desde 1977, com «Close Encounters of the Third Kind» e «Star Wars», proporcionaram a Hollywood níveis inéditos e crescentes de êxito comercial e de desenvolvimento tecnológico. Tal como acontecia antes com as películas dedicadas à aventura, à comédia, à fantasia (mais mágica do que científica… «Mary Poppins», por exemplo), ao policial, ao terror (a começar no Drácula e no Frankenstein da Universal da década de 30), as élites das fitas (e fiteiras) continuaram a viver à custa dos trabalhos vistos como menores, e a esquecê-los, ou a menosprezá-los, aquando da concessão das honras anuais, preferindo habitualmente as demonstrações hipócritas de «sinalização de virtude» que tendem a privilegiar minorias e vítimas, reais ou imaginárias. Neste ano de 2022 foram os surdos… Enfim, é um exercício permanente de atirar «areia» para os olhos dos mais distraídos, e nem é preciso ir buscá-la ao planeta Arrakis.