Em Portugal não é usual, infelizmente, que obras de Ficção Científica e Fantástico, ou, se preferirem, de Ficção Especulativa, sejam publicadas por editoras generalistas, e, em especial, se essas obras forem de autores portugueses. Mais raro ainda é que tais obras sejam distinguidas – isto é, conquistarem o primeiro lugar – em prémios literários também generalistas, ou seja, que não sejam exclusivamente destinados a trabalhos (romances e/ou contos) do género. Porém, pelo menos uma excepção recente existe, e sem dúvida que se justifica dar-lhe destaque: trata-se de «Periferia», de Catarina Costa, que venceu o Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal em 2022, e no mesmo ano, como parte integrante daquele prémio, foi publicada pela Guerra & Paz.
Eis a sinopse: «Ninguém sabe localizar a Periferia, nem dizer de que lugar ela traça o limite. Mas é para lá, para essa orla de um lugar desconhecido, que estão a ser enviados os Pacientes que habitam a cidade, descendentes das cobaias da Experiência. Na Periferia, o ar é mais puro, dizem, e os Pacientes têm uma constituição mais frágil, carecem de cuidados especiais. Mas nem todos aceitam ir. Uma Paciente permanece clandestina na cidade, contando com a ajuda de uma outra habitante. Deambula aleatoriamente pelas ruas todos os dias, de manhã à noite, misturada na multidão, tentando passar despercebida e evitando ostentar algum sinal, expressão ou gesto que a denuncie. Os acontecimentos, porém, vão impedi-la de continuar no coração da cidade como perpétua foragida. A sua fuga toma a direcção dos arrabaldes e de zonas mais periféricas, novos territórios onde encontrará outros modos de sobrevivência.»
Em entrevista concedida em Dezembro último a autora revelou o conceito que esteve na base deste seu livro: «Eu pretendia narrar as deambulações de uma mulher em fuga por uma cidade e que estabelecia para si mesma o objectivo de, dia após dia, passar despercebida entre a multidão. As deambulações desta mulher, que se transformava numa espécie de fantasma, seriam também uma travessia interior. Ao mesmo tempo que ela seria conduzida pelo medo e pelo instinto de sobrevivência, tendo de focar a acção e o pensamento no que seria urgente e essencial, ela também iria encontrando o seu espaço de reflexão sobre os lugares que cruzava. Progressivamente fui desenvolvendo a narrativa e a ambiência distópica em que esta personagem se movia.» Será também de ler alguns comentários e críticas a «Periferia» aqui.