O delicado cheiro a rosas enchia o ar da noite. O sol espalhava os seus últimos raios sobre as nuvens que flutuavam altas no horizonte. Esfriava, e as nuvens começavam a mudar de cor: o laranja brilhante transformava-se lentamente em roxo e carmesim.
No entanto, o homem permanecia no alpendre, de olhos silenciosos e sonhadores fitos no céu que escurecia, observando os vagos movimentos na escuridão que tudo envolvia, até que apareceram as primeiras estrelas tremeluzentes.
Com um suspiro, sentou-se na cadeira de vime e estendeu a mão para o copo de brandy pousado na mesa de ébano ao seu lado. A penumbra tinha tornado virtualmente negro o líquido ambarino. Pegou no copo, agitou gentilmente o brandy e tomou um gole. Sem pensar em nada de especial, subitamente olhou para cima…
… e viu a mulher que ardia pela primeira vez.
Ela corria ao longe, muito ao longe, no limite da sua visão, por entre os arbustos e árvores que só se vislumbravam na penumbra. Durante um momento ele julgou poder ouvir o seu riso cristalino a reverberar no ar nocturno.
Aquilo devia ter sido a sua imaginação.
Nessa noite dormiu tranquilo.
*
Quando o Sol baixou num mar de chamas, no dia seguinte, ele serviu-se de outro brandy e foi directamente para o alpendre. Não havia nenhum vento, nenhum som.
Sentou-se na cadeira de vime, fitando em silêncio os campos para lá da cerca do jardim durante talvez uma meia-hora. Já tinha quase terminado o brandy e limitava-se a admirar o céu perfeitamente limpo de nuvens e as estrelas.
Então, de súbito, olhou mesmo em frente…
… e viu de novo a mulher que ardia.
Ela estava mais próxima desta vez, talvez a cinquenta metros de si. Ele sentiu o coração palpitar furiosamente, pôde ouvir claramente o riso vivo da mulher, reparou que ela corria descalça. Sob as chamas tremeluzentes levava um vestido transparente que descia até ao chão. Corria depressa, demasiado depressa.
Ele dormiu bem nessa noite. Sonhou com um fogo de lareira, com brilhantes chamas cor de laranja que dançavam em torno dos lenhos.
*
Na noite seguinte esperou-a, sentado na cadeira de vime, o coração palpitando freneticamente, os olhos perscrutando a escuridão. Não deu qualquer atenção à casa vazia atrás de si ou às estrelas no alto, e nem reparou no cheiro a rosas que impregnava a atmosfera. Estava apenas ali sentado, ansiando por vê-la.
E finalmente a sua paciência foi recompensada…
… desta vez ela estava muito mais próxima de si. Podia vê-la correndo por ali, envolta em chamas, o longo cabelo vermelho correndo atrás de si.
Pelo menos agora sabia sem sombra de dúvida de quem ela se ria. O riso leve enchia o ar dissipando o cheiro a rosas e a frescura da noite. Lentamente ergueu-se da cadeira, deu alguns passos em frente e fixou o olhar nela até desaparecer da sua vista. O seu pulso voltou a bater mais lento. Amanhã, talvez amanhã. Hoje ela estivera muito perto.
Voltou para a casa vazia como que em transe, puxou as grossas cortinas de veludo, lançou um olhar sobre os livros cobertos de poeira alinhados nas prateleiras, sobre a jarra chinesa adornada com símbolos mágicos, aspirou o ar frio da noite e procurou refúgio nos lençóis de cetim da sua cama. Amanhã? Talvez amanhã?
*
Na noite seguinte não se preocupou em levar consigo um copo de brandy. Havia uma ténue brisa. Sentou-se em silêncio na sua cadeira de vime, um livro sobre a mesa a seu lado, por ler.
Quando o sol mudou para uma cor mais rica e desapareceu por fim abaixo do horizonte, ele começou a ficar nervoso e inquieto. Hoje a mulher iria chegar muito perto,… talvez viesse mesmo até si?
Ela apareceu mais uma vez…
… viu-a vinda da distância, surgindo entre os arbustos, atirando ao ar o vestido longo e leve, abanando a juba, as chamas lambendo-lhe todo o corpo.
O seu riso ecoava alto e cristalino e quando chegou a alguns passos dele, sorriu e segredou, “Amanhã, amanhã”, virou os olhos e correu de novo para longe, numa tocha de luz e calor. Ele limpou o suor da testa, e seguiu-a em alguns passos hesitantes. Os olhos permaneceram fitos nela por muito tempo, até que a silhueta nitidamente delineada estivesse demasiado longe para ser vista.
Nessa noite sacudiu-se e voltou-se na cama. Sonhou com fogos florestais, piras funerárias e cheiro acre a enxofre. “Amanhã,” dissera ela, “Amanhã”. Chamas cobriam-no e ele voltou-se na cama, resmungando.
*
Quando a viu apressada num remoinho de fogo na noite seguinte, fez tombar o seu copo de brandy meio bebido. O precioso líquido derramou-se sobre a mesa e sobre as suas calças. Nem se incomodou em limpar a confusão.
Olhou para cima…
… e viu como ela corria directamente para si, rindo alto, de braços estendidos. O coração batia furiosamente e ele cambaleou, embora conseguisse manter o equilíbrio. Então abriu também os braços e fechou os olhos quando as chamas o envolveram e ela colou os seus lábios de fogo aos seus…
*
As crianças sabiam que se tinham afastado demasiado de casa, e provavelmente seriam castigadas quando finalmente regressassem. Decidiram descansar um pouco antes de se porem ao caminho de regresso.
Uma delas arriscou entrar na casa mas não viu ninguém. Chamou mas não houve resposta.
Então entraram todas.
Temerosamente vasculharam a casa inteira mas não chocaram com ninguém.
Mas então…
… no alpendre encontraram o corpo de um homem. Estava totalmente esturricado.