O Botão (bib.), vinheta de José Espírito Santo, é outro dos tais continhos que parecem ter sido escritos por alguém com pouca ou nenhuma prática na escrita de ficção científica. Aqui vamos encontrar um escritor em pleno ato de escrita de uma história de FC, numa cena doméstica, completa com mulher, filhos e alimentação em família e tudo, embora pontuada aqui e ali por termos que sugerem tecnologia avançada e futurista. E logo em seguida temos infodump, um longo infodump. É citação da história que a personagem do conto escreve, é certo, mas não é menos infodump por isso. E depois, o final surpresa que colide de frente com o que ficou escrito antes. E isso transforma-o num desastre. Não é assim que se concebem finais surpresa. A arte está em fazer com que eles sejam inteiramente coerentes com o que ficou para trás, mas mesmo assim apanharem o leitor de surpresa. O conto podia ser razoável sem este final desastrado, mas com ele torna-se muito, muito fraco. É pena.
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Título original: The Pillars of the World (2001)Autora: Anne BishopTradução: Luís CoimbraEditora: Saída de Emergência (2011)Anne Bishop regressa até nós com Os Pilares do Mundo, o tão aguardado primeiro livro de uma outra trilogia, passada num…
É Refrescante Começar O Ano com a leitura de uma entrevista (bastante antiga) de Noémia Delgado a António de Macedo, que acabara de realizar a sua primeira longa-metragem, Domingo à Tarde, e encontrar estes preciosos comentários (in Jornal de Letras e Artes, 12 de Maio de 1965, pg. 4):
ND: Se pudesse realizar um argumento seu, qual o tema ou personagens que gostaria de tratar? Porquê?
AM: Ficção científica. Talvez por temperamento. E, depois, na ficção científica encontramos o «maravilhoso» que existe no «contar uma história». O que nos encanta nas histórias é a evasão e a consciencialização – que podem não ser incompatíveis. Creio que não devemos ir só para o que diverte, como nem só para o que adverte. Na ficção científica intensifica-se tanto a diversão (ou evasão) como a advertência. Há sempre um mundo diferente que em princípio nos pode encantar, mas no qual pode haver lugar para as mais trágicas consequências. A advertência existe no facto de esse mundo, quer queiramos quer não, ser facilmente (mesmo que apenas ficticiamente…) um prolongamento do nosso. E o facto de ser trazido ao nosso presente por meio da ficção confere-lhe um acréscimo de impressividade e portanto, de eficácia, que torna as obras de ficção científica (autênticas) das mais graves do nosso século.
A ginja no cimo do bolo surge, contudo, um pouco mais adiante:
ND: O cinema dito comercial não irá implicar uma alienação por parte do cineasta?
AM: Sim e não; porque se o cinema comercial significar um ritmo de narração que possa prender o espectador, o realizador pode, em princípio, introduzir na narração os problemas que lhe interessa contar.
Um dia, quando sentir que tenha lido e investigado o suficiente sobre o percurso do cinema português, desconfio que hei-de escrever uma história alternativa em que a perspectiva do António vingou atempadamente sobre todas as outras, empurrando certas obras e tendências anti-narrativas para os confins do esquecimento…
Vencer Um Prémio, em particular um que seja atribuído pelos pares, ou seja, pelos outros escritores, é normalmente uma faca de dois gumes, pois os melhores escritores não serão os melhores leitores, estando atentos a pormenores de técnica e gesti…