A derradeira viagem de António de Macedo

É com grande pesar que a Simetria apresenta aos familiares e amigos de António de Macedo os seus profundos sentimentos de pesar pela perda do nosso querido amigo, um dos fundadores da Simetria (e dos Encontros de FC&F Na Periferia do Império que precederam a sua fundação), que nos deixou no passado dia 5 de Outubro de 2017, com a idade de 86 anos.

Licenciado em Arquitectura pela ESBAL — profissão que exerceu durante apenas uma mão cheia de anos, como arquitecto de 3ª da Câmara Municipal de Lisboa — e doutorado em ciências da religião pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, António de Macedo nasceu em 1931 e foi mais conhecido do público português pelas suas provocadoras longas-metragens dentro da temática do fantástico e da ficção científica, realizadas numa altura em que a «intelectualidade» nacional olhava para a FC&F com horror, considerando-a uma temática «menor». António de Macedo, no entanto, teimosamente persistiu — mesmo apesar do apedrejamento do Cinema Nimas por parte de um público que se recusava a aceitar que as suas obras cinematográficas continuassem em exibição.

No entanto, a capacidade artística deste verdadeiro polímata nunca se esgotou meramente no cinema — tanto na dúzia de longas-metragens que realizou, como nas várias dezenas de curtas-metragens e algumas séries de televisão — mas, uma vez recusados os apoios financeiros à produção cinematográfica, dada a incompreensão por parte dos críticos da sua obra, António de Macedo foi também um prolífico autor de ficção científica e fantástico, fazendo a «ponte» entre uma geração de autores portugueses de FC&F completamente desconhecidos do grande público no passado (excepto, talvez, um certo vencedor de um prémio Nobel que nunca deixou que as suas obras de ficção científica fossem reeditadas…), para a geração de autores portugueses contemporâneos, que encontram um público muito mais aberto e receptivo à FC&F, seja esta de origem estrangeira, seja ela de origem nacional. Dirigiu várias colecções, com grande entusiasmo, apesar de, por muitas vezes, estivesse décadas à frente do tempo, procurando criar um espaço para a FC&F nas prateleiras das livrarias, muito antes disto acabar naturalmente por acontecer; «remou contra a maré» apenas porque acreditava na importância da FC&F enquanto objecto literário, independentemente do sucesso comercial. E apesar de ter tantas actividades em simultâneo, António de Macedo continuou sempre a escrever, mantendo-se um autor actual, jovem e contemporâneo, mesmo apesar dos seus 86 anos de idade.

Mas não é só na ficção que deixou marcas; foi também ensaísta académico, para além de professor de cinema; e como excelente orador que era, capaz de discursar durante horas sobre qualquer tema, sempre com o seu humor e simplicidade humilde com que captava a atenção de qualquer audiência, António de Macedo também deu seminários e conferências sobre cinema, FC&F, escrita criativa e esoterismo cristão. Assumido rosacruciano, foi a sua leitura esotérica da Bíblia que serviu de base ao doutoramento (cuja defesa de tese tinha a sala cheia); era praticante genuíno, em todos os seus aspectos, incluindo na sua habilidade em explicar, a quem lho solicitasse, as bases das suas convicções religiosas (tendo igualmente publicados alguns manuais de iniciação ao esoterismo cristão).

Verdadeiro amigo de todos os que faziam parte do seu círculo íntimo (muito alargado!), que continha um conjunto vasto de pessoas muito diferentes, de todas as idades, António de Macedo também serviu de «mentor» para muitos jovens autores (apesar da sua humildade sempre lhe ter impedido aceitar formalmente esse papel ou reconhecimento público). Literalmente lutou para que muitos autores conseguissem ver as suas primeiras obras publicadas, numa época em que as principais editoras nacionais eram particularmente aversas à temática da FC&F; serviu de editor e de revisor dos textos, assim como júri de vários concursos.

Sem nunca o assumir, era de facto um dos pilares da Simetria enquanto associação de fãs e autores de FC&F, fazendo com que esta associação não se resumisse exclusivamente a uma única forma de expressão artística: a Simetria, desde o início, sempre fez a ponte entre o cinema e a literatura; as artes plásticas e as representativas; a música e os novos meios digitais de expressão. Isto permitiu que desde os primeiros Encontros de Ficção Científica e Fantástico Na Periferia do Império se pudesse oferecer ao público em geral mais do que debates sobre FC&F e sessões de assinaturas com os autores literários, mas que se pudesse ver a FC&F como um movimento artístico completo com expressão em todas as suas modalidades.

Ser-se «pioneiro» em Portugal e insistir «remar contra a maré» trazendo inovação e diferença é sempre um trabalho inglório e geralmente pouco reconhecido neste país. É só agora neste século XXI que começamos a questionar o nosso pensamento conservador e abrir-nos um pouco mais a tudo aquilo que é diferente. António de Macedo nasceu quando a Pulp Fiction estava no seu auge; passou pelos gloriosos anos 1960 em que em Portugal toda a gente lia FC&F — graças à Colecção Argonauta — até ao advento da democracia, em que subitamente a FC&F foi relegada ao estatuto de «expressão artística menor». Quem a defendeu, como António de Macedo o fez, acabou por ser ostracizado pela comunidade intelectual — no caso do nosso querido amigo, isso significou o fim dos apoios para a produção cinematográfica, e uma enorme dificuldade em encontrar editoras dispostas a continuarem a publicar a sua obra literária.

Mas António de Macedo nunca desistiu. É com bastante orgulho e satisfação que podemos afirmar que na última década o trabalho de António de Macedo, e o seu papel de carregar com a tocha iluminadora do caminho da FC&F, não deixou de ser formal e publicamente reconhecido, sendo o cineasta e autor homenageado pela sua carreira e respectiva importância para a cultura portuguesa.

Deixou-nos com um vastíssimo legado pelo qual só podemos estar profundamente gratos e sinceramente agradecidos.

António de Macedo será sepultado no Cemitério do Alto de São João no dia 9 de Outubro de 2017. O corpo estará na capela a partir das 11 horas e será sepultado por volta das 16.

Notícia do óbito dada pelo Correio da Manhã

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