O sonho de Tom Cloudman sempre foi voar. Mas o resultado das suas tentativas, desde a infância e através do crescimento, foi essencialmente uma série de hematomas, ossos partidos e um corpo precocemente envelhecido. Viajando no seu caixão com rodas, Tom levou alegria a muitos, com as suas desastradas actuações. Mas agora, o tempo e as quedas cobraram o seu preço, e há uma doença incurável que, qual monstro, cresce e toma posse do seu corpo. O sonho parece destinado a acabar em breve... Mas quando, num dos seus passeios nocturnos pelo hospital, Tom descobre o ninho da mulher-pássaro, há uma alternativa que lhe é oferecida. A sua vida pode ser salva, se ele estiver disposto a aceitar as consequências de uma metamorfose. Mas poderá Tom renunciar à humanidade?
Breve, mágico e comovente, este é um livro em que a melancolia e a ternura se confundem. Melancolia, por uma história que, desde o início, é a de um sonho inevitavelmente falhado, e que evolui no sentido de um fim que é, inevitavelmente doloroso. Ternura, pela forma como esse sonho difícil leva ânimo à vida das pessoas que os vêem, desde os que assistem às suas actuações ao pequeno Victor, que observa a redução do seu herói a uma dolorosa fragilidade. Sem esquecer, é claro, a relação entre Tom e a mulher-pássaro, também ela terna e comovente, nas muitas possibilidades e improbabilidades que conjuga.
Esta é uma história onde o impossível se torna natural. A existência da mulher-pássaro e o segredo do seu ninho surgem aos olhos de Tom com a mesma naturalidade com que este construía os seus sonhos impossíveis. O mesmo acontece com a metamorfose, que, ao mesmo tempo que leva muitos dos elementos do hospital a questionar a presença de Tom, faz com que outros o aceitem, apesar das mudanças e da sua estranheza geral. A história é, toda ela, peculiar, cheia de improváveis, de magias inexplicáveis, mas o mais fascinante é a forma como o autor torna fácil esquecer o impossível e acreditar, simplesmente, na metamorfose de Tom. Na sua mudança.
Há muito de marcante nesta história, mesmo considerando apenas o enredo por si só. Mas é impossível não ver a forma como o improvável percurso de Tom serve de símbolo para os inevitáveis da realidade. Desde os sonhos inocentes que, com o crescimento, revelam a sua impossibilidade, à passagem do tempo e à chegada da doença e da morte, com todas as inevitáveis perdas associadas - para quem parte e para os que ficam - a história de Tom, com toda a estranheza e toda a sua magia, reflecte aspectos incontornáveis da realidade. É também isso que a torna tão comovente, já que o que acontece com Tom - o crescimento, a fragilidade, as inevitáveis mudanças - ecoa, com toda a intensidade, nos factos do mundo real. E a ternura com que esta história é construída, mesclando medidas iguais de tristeza e esperança, reforça esses paralelos, criando, em simultâneo, uma história memorável e uma forte base para reflexão.
Esta é, pois, uma história que, apesar de muito breve e, aparentemente, bastante simples, revela complexidades insuspeitas na forma como conjuga a magia de um cenário imaginário com os elementos inevitáveis da realidade. Belo e enternecedor, mesmo nos momentos mais tristes, este é um livro que não posso deixar de recomendar.