Pode custar a acreditar, mas é verdade: «A República Nunca Existiu!» foi editada há uma década. A antologia colectiva de contos de história alternativa, que eu concebi, organizei e em que participei, surgiu em Janeiro de 2008 também como uma forma de assinalar o centenário do Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908. Um facto… real, verdadeiro, mas infeliz, trágico, para o país, serviu de pretexto, de mote, para a escrita de narrativas curtas que imaginaram um Portugal diferente em que a Monarquia não só não foi derrubada como até se viu reforçada.
Em termos de impacto mediático, «A República Nunca Existiu!» constituiu indubitavelmente, até agora, o meu projecto literário de maior sucesso. Sobre ele foram feitas referências, notícias, menções, alusões, na Bang!, Blitz, Diário de Notícias, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Jornal do Modelo (!), (a entretanto extinta revista) Os Meus Livros, Público, RTP (tanto rádio, pelo programa «À Volta dos Livros», em que fui entrevistado, como televisão, pelo (entretanto extinto) programa Câmara Clara), Sol, Tempo Livre e Visão. Fora da comunicação social tradicional, o livro foi também objecto de uma considerável cobertura blogosferérica, tendo sido citado no Almanaque Republicano, Bad Books Don’t Exist, Companhia dos Animais, Correio do Fantástico, Estante de Livros, Fórum Defesa, Innerspace, Muito Para Ler, Segredo dos Livros, Somos Portugueses, Tecnofantasia… e, obviamente, no Simetria. Posteriormente, viria a ter página própria no GoodReads. Mais importante e significativo, a antologia foi incluída no Uchronia, sítio agregador de obras de história alternativa em todo o Mundo, um feito que se ficou a dever a Gerson Lodi-Ribeiro, um dos 14 autores que participaram no livro e, na verdade, um dos seus inspiradores…
… E o conceituado escritor brasileiro de Ficção Científica e Fantasia voltou recentemente a abordar a experiência de que, há dez anos, fez parte. Tal aconteceu no seu novo blog, Cenários Históricos Alternativos: «Nunca cogitara escrever uma narrativa de Império Alternativo, até receber o convite para participar da antologia “A República Nunca Existiu!” (2008). Desafio aceito, cumpria arbitrar um ponto de divergência capaz de estabelecer um cenário histórico minimamente plausível. Daí, a divergência do conto “Primos de Além-Mar” é a sobrevivência de Pedro Afonso, filho de Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina, que pereceu em 1850 aos dezoito meses de idade em nossa linha histórica. Mal saído da adolescência, esse príncipe imperial se torna o grande herói da última fase da Guerra do Paraguai, ao capturar Solano Lopez e trazê-lo vivo para cumprir pena no Rio de Janeiro. Em 1908, a presença de Dom Pedro Henrique, filho de Dom Pedro III do Brasil, em Lisboa frustra o atentado regicida contra a vida de Dom Carlos, garantindo assim a permanência da Casa Bragança em tronos nas duas margens do Atlântico. A (acção) desse conto se desenrola na década de 1930, época em que o rei de Portugal fugiu para o exílio no Império do Brasil, quando seu país foi invadido pelas forças de Franco, apoiadas pela Alemanha Nazista. A maior parte da narrativa se dá ao longo de uma caçada de onça na região serrana nas cercanias da cidade de Petrópolis. Um análogo português dos cenários de Impérios do Brasil Alternativos é a sobrevivência da monarquia em Portugal até os dias de hoje. Organizada por Octávio dos Santos, a recém-citada antologia temática “A República Nunca Existiu!” (2008) reuniu algumas narrativas interessantes de Reinos de Portugal Alternativos. O ponto de divergência é praticamente o mesmo nos nove trabalhos considerados como Reinos de Portugal Alternativos: o regicídio de 1908 malogra e a monarquia sobrevive no país.»
Além de uma apreciação geral, Gerson Lodi-Ribeiro providenciou também descrições sumárias dos contos específicos: «No conto de evento alternativo “Seis Momentos em Tempo Real”, de João Aguiar, o atentado regicida não resulta num fracasso total, pois o rei Dom Carlos e o príncipe-herdeiro Dom Luís Filipe são gravemente feridos pelos disparos dos criminosos e se encontram internados no hospital sob severo risco de vida. Ante tais circunstâncias, cabe ao príncipe Dom Manuel, filho caçula do rei, na posição de regente, arregimentar forças para lutar contra a ditadura que se instalara no país logo após o atentado. Já “A Encenação”, de José Manuel Lopes, parte da premissa diametralmente oposta à do conto anterior: o príncipe caçula não se porta de forma tão digna. Embora seu pai e irmão sobrevivam incólumes ao atentado de 1908, Dom Manuel contrai uma grave doença mental após o ataque malogrado. Dois contos da antologia tratam de atentados contra outros reis de Portugal que reinaram depois de Dom Carlos. No conto de passado alternativo “Rei Sem Coroa”, de Sérgio Sousa-Rodrigues, um jovem português planeja assassinar o rei Dom Manuel III em 1954. Já Bruno Martins Soares postula em seu conto de presente alternativo “O Nome do Rei” o regicídio do bem-amado rei Dom Afonso IX de Portugal, um século após o fracasso do atentado contra a vida de Dom Carlos. No passado alternativo “A Marcha Sobre Lisboa”, de Octávio dos Santos, após sobreviver ao atentado de 1908 junto com o pai, o Príncipe Luís Filipe, agora Dom Luís II de Portugal, lidera uma contramarcha em (reacção) a uma organização de revolucionários fascistas de inspiração hitlerista que planeja tomar o poder e implantar uma ditadura no país. No divertido e bem escrito “O Patriota Improvável”, de Maria de Menezes, durante um referendo para consultar a população portuguesa se ela desejava manter o regime monárquico, um paparazzo considera que os súditos nutririam mais amor à família real se a rainha e as princesas se portassem e se vestissem com mais elegância. No conto “Ao Serviço de Sua Majestade”, de Luís Richheimer de Sequeira, Dona Maria III de Portugal estabelece a Subdivisão de Crimes Extraordinários, um departamento especial da Polícia Judiciária, para investigar casos bizarros, do tipo “Arquivo X”, com direito, inclusive, a conspirações alienígenas. No conto de passado alternativo “A Noite das Marionetas”, de João Seixas, em 1916 o primeiro-ministro português trama contra o Reich Alemão, o Reino Unido, a Espanha e a Maçonaria. Como resultado, o Reino de Portugal acaba ingressando na Primeira Guerra Mundial ao lado dos Aliados, à semelhança do que se deu em nossa linha histórica. (…) No conto de viagem no tempo “Missão 1211908”, de Luísa Marques da Silva, (…) patrulheiros temporais de uma linha histórica alternativa na qual a monarquia portuguesa persiste pelo menos até o século XXIII regressam ao passado para impedir que cronoterroristas assassinem o rei português Dom Carlos em 1908. Se fracassarem, sua linha alternativa se transformará na nossa linha histórica. Uma narrativa instigante, bem escrita e razoavelmente original.»
Era meu objectivo publicar um segundo volume d’«A República Nunca Existiu!» em 2010, aquando do centenário da implantação da República em Portugal. Porém, a Saída de Emergência, através do seu fundador e editor principal, não cumpriu a palavra dada, não honrou a promessa feita, não respeitou um contrato assinado. A «Parte 2» viria a sair, enquanto um dos seus capítulos, em outra antologia colectiva de contos de FC & F por mim concebida e organizada, «Mensageiros das Estrelas», lançada em 2012 pela Fronteira do Caos aquando da (e na) segunda edição do colóquio com o mesmo nome, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entre os autores que participaram na «sequela» destacou-se António de Macedo, a quem, aliás, o livro de 2008 havia sido dedicado…
… E Gerson Lodi-Ribeiro também a comentou: «Monarquista convicto, Octávio dos Santos, antologista de “A República Nunca Existiu!”, aprovou vários trabalhos de história alternativa, baseados na mesma divergência do malogro do atentado regicida de 1908, para publicação na antologia “Mensageiros das Estrelas”, que coorganizou em 2012. Dentre os sete contos coligidos na (secção) da antologia designada como “A República Nunca Existiu 2”, dois se destacam: “O Preço de uma Coroa” e “A Realidade, Não Fora a Loucura”. No conto “O Preço de uma Coroa”, de Sacha Andrade Ramos, o jovem príncipe Dom Dinis cogita se deve ou não assumir a coroa portuguesa em 2010, após o reinado extremamente bem-sucedido de sete décadas de seu tio-avô, Dom Pedro VI, monarca que logrou converter o Império Colonial Português na Comunidade Lusa. Depois de sofrer um atentado na Praia do Guincho, ao interrogar a jovem (activista) que quase lhe tirara a vida, Dinis toma enfim a decisão crucial quanto ao seu futuro e ao do Reino de Portugal. Em “A Realidade, Não Fora a Loucura”, de João Afonso Machado, Dom Carlos sobrevive ao atentado de 1908, mas o Príncipe Dom Luís Filipe é mortalmente abatido. Em consequência, o Partido Republicano é execrado e alijado do cenário político português. Abalado e sem condições de governar, Dom Carlos nomeia seu caçula, Dom Manuel, como regente. Em 1915, o velho rei perece e o filho sobrevivente assume a coroa sob o título de Dom Manuel II. A partir desse ponto, o autor propõe uma utopia geopolítica panegírica que culmina no estabelecimento de uma Comunidade de Nações de Língua Portuguesa, na qual os países-membros reconhecem a autoridade do monarca de Portugal.»