Em 2021 assinala-se – ou, mais correctamente, assinalou-se, pois tal ocorreu no passado mês de Fevereiro, mais exactamente no dia 1 – o centenário da morte de um escritor que merece ser redescoberto: João da Rocha. Na cidade em que nasceu a 17 de Abril de 1868, Viana do Castelo, houve quem tivesse concordado nesse desiderato, tendo-se organizado um conjunto de iniciativas que evocaram a vida e a carreira do autor de «Memórias de um Médium» – uma obra digna de figurar em qualquer retrospectiva da literatura fantástica em Português, e tanto assim é que António de Macedo a incluíu (com o número 4) na colecção Bibliotheca Phantastica, que dirigiu, editada pela Hugin, a mesma de que o meu primeiro livro publicado, «Visões», também fez parte (com o número 7).
A câmara municipal daquela cidade minhota assumiu, compreensivelmente, a liderança nas homenagens, e a primeira tomou a forma de um vídeo produzido pela biblioteca municipal de Viana do Castelo e colocado no YouTube, logo no primeiro dia do segundo mês deste ano, resumindo o percurso de João da Rocha. Seguiu-se, a 19 de Junho, o Colóquio do Centenário, com a presença e a participação de diversos conhecedores e especialistas da obra do escritor, e que terminou com a primeira apresentação do livro «A Sabedoria da Paciência – Antologia do Centenário de João da Rocha (1868-1921)», publicado pela edilidade vianense e organizado por Manuel Curado, professor e investigador da Universidade do Minho – e amigo e frequente colaborador do Movimento Internacional Lusófono, tendo já participado como orador em vários dos congressos e colóquios promovidos pelo MIL. No próximo dia 18 de Setembro far-se-á a primeira apresentação de outro livro: uma (re)edição crítica do outro livro fundamental do homenageado, «Angústias», um trabalho, mais uma vez, a cargo de Manuel Curado. Para 30 de Dezembro está previsto o lançamento do tomo 55 dos Cadernos Vianenses, reunindo as comunicações apresentadas pelos conferencistas no Colóquio do Centenário.
Todas os eventos acima mencionados, tanto os já realizados como os ainda a realizar, tiveram e terão Viana do Castelo como cenário e palco. Porém, haverá um em Lisboa: entre os próximos dias 8 de Outubro e 17 de Dezembro estará patente ao público na Biblioteca Nacional de Portugal uma mostra biográfica e bibliográfica intitulada «João da Rocha – Um escritor a descobrir». Coube a Manuel Curado, novamente, a organização e a apresentação, em que salienta a versatilidade do amigo de António Nobre e de Raul Brandão. No jornalismo: «para além de ter colaboração dispersa por muitas publicações (Aurora do Lima, Miosótis, Os Novos, O Povo, Revista de Hoje), João da Rocha fundou e dirigiu o jornal Folha de Viana e a revista cultural Límia.» Como ensaísta: «destacam-se os seus estudos sobre as Descobertas, nomeadamente sobre o Infante Dom Henrique e sobre o navegador Gonçalo Velho.» Na poesia: «o registo lírico é muito intimista, como acontece no volume “Nossa Senhora do Lar” (1900), em que o poeta aspira à companhia de uma mulher e de crianças que possam perpetuar o amor. Sinal do espírito polifacetado de João da Rocha, há que acrescentar a poesia com objectivos didácticos, nomeadamente a que foi publicada postumamente (“Canções Portuguesas para as Escolas, 1980), e populares (“709 Poesias de Reclamo à Casa Brasileira”, 1977).» Enfim, como contista, «contribuiu para o género fantástico na literatura portuguesa. Os dois livros que dedicou a este género procuram descrever situações-limite. O primeiro deles tem o título de “Memórias de um Médium” (1900). Com uma estrutura muito original, depois de um ensaio inicial, que reflecte sobre as limitações do conhecimento humano e sobre o Positivismo oitocentista, segue-se o diário de um homem jovem a quem acontecem fenómenos excepcionais. O segundo livro (“Angústias”, 1901) é uma colecção de histórias de pessoas que tentam alcançar a felicidade: médicos, príncipes, mendigos, ascetas… A angústia é para o escritor “a sede do que nos foge”, e o que está sempre a fugir da vida das pessoas é a ventura ou felicidade. O texto final deste volume, “No Céu”, é uma rara cosmologia metafísica da literatura portuguesa, uma descrição imaginária da totalidade do universo, porque, segundo o escritor, “A Criação é Deus a respirar”.» (Também no MILhafre.)