Muitas vezes, quando estamos a criar ficção, a primeira coisa que nos vem à cabeça é um gimmick. O que é isso? É um truque. É uma espécie de jogo mental que nos marca e que pode ser a génese de qualquer coisa.
Vamos pegar no filme Alien de Ridley Scott, como exemplo. Qual é o truque mental que pode ter ocorrido aos argumentistas Dan O’Bannon e Ronald Shusset? Talvez qualquer coisa como: “E se houvesse um alien que se agarra à cara de uma pessoa, deixa uma semente, e depois cresce dentro da pessoa e sai pela barriga?” Wow! Brutal!
Isto leva-nos ao watercooler moment. Imaginem que foram ao cinema ver o Alien e no dia seguinte estão no escritório junto à máquina de água a comentar com os colegas o filme que viram no dia anterior. Qual é a cena que vão comentar de certeza? A cena do alien a sair da barriga. Um bom gimmick leva-nos normalmente a um bom watercooler moment, que deve existir em qualquer obra. No Interstellar de Nolan, por exemplo, qual é? Diria que é a onda de centenas de metros de altura. E o gimmick é: o protagonista vai a vários planetas com várias características interessantes, cientificamente aceitáveis, à procura de um lar. Ou em Game of Thrones: uma guerra civil tão violenta que não sabemos quem poderá morrer a qualquer momento.
O perigo dos gimmicks é que muitos confundem-nos com os conceitos. O conceito é algo de mais profundo e define a história. O Alien não é um filme sobre um extraterrestre que sai da barriga de uma pessoa. É um filme sobre a tripulação de um cargueiro espacial que traz um predador para dentro da nave. É esse o conceito. É a história da tripulação de um cargueiro espacial que traz um predador para dentro da nave.
Este conceito é um high-concept. O que é isso? Um high-concept é um conceito suficientemente simples e poderoso que vai aliciar as pessoas a lerem o livro ou a verem o filme, bastando para isso apresentá-lo numa frase ou duas. Se lerem uma logline de um filme no jornal, ou o blurb de um livro numa contracapa, isso levar-vos-á a comprar? Se sim, é porque tem um bom conceito. Um high-concept.
Por exemplo: ‘Uma equipa das forças especiais americanas em missão na selva Sul-Americana confronta um predador extraterrestre que veio em safari ao nosso planeta caçar seres-humanos.’ Hmm! Isto é interessante! Eu, por mim, vou ver este filme. Se o filme tiver um high-concept passa a ter um carácter especial. O suficiente para ser imediatamente identificável. Conseguiram descobrir de que filme falo? De Predator de McTiernan, claro.
Mas o conceito ainda não é a história. Eu disse ‘É a história da tripulação de um cargueiro espacial…’ mas é um engano. Se tivermos um conceito ainda não temos história. A história de Alien talvez se possa resumir da seguinte forma: ‘É a história de Ripley, tripulante num cargueiro espacial, que confrontada com um predador extraterrestre que foi trazido para bordo tem de superar os seus medos para sobreviver.’
Quando temos uma história já temos um/uma protagonista bem definida e o conflito bem definido, e uma ideia de como a progressão se vai fazer. Mas isto ainda não basta. Para termos uma narrativa com um bom enredo, temos de ter uma estrutura. Temos de saber como é que Acto 1 se desenrola para o Acto 2 e o Acto 2 se desenrola para o Acto 3. Temos de saber como é que os vários momentos de viragem, os vários plot points, e os vários beats ocorrerão (sobre estes falarei noutra altura). Só então teremos de facto uma história. Uma história com protagonista e enredo, baseada num conceito, que pode ter por base um gimmick.
E só nessa altura devemos então começar a escrever a narrativa. Quando já sabemos verdadeiramente o que estamos a escrever. É normalmente um erro começar antes. Como diz Robert McKee, um dos expoentes da teoria da escrita, escrever bem é fácil, muita gente o consegue. Criar uma boa história é que é verdadeiramente difícil. Se começarmos a escrever quando temos apenas um gimmick ou um conceito arriscamo-nos a descobrir rapidamente que não sabemos para onde temos que levar os protagonistas ou a termos um desenvolvimento pobre que vai desapontar os nossos leitores ou espectadores. Quantas vezes não pegámos já numa obra que parecia muito aliciante para depois ficarmos desapontados com o desenrolar da história? Isto não acontece por falta de inspiração, mas porque o trabalho não foi feito até ao fim ANTES de se começar a escrever.
Um exemplo negativo que me ocorre neste momento é Elysium, de Blomkamp. Tem um bom conceito: no futuro os ricos vivem em órbita e os pobres vivem na Terra – para sobreviver, um homem terá que destruir esta divisão. Este conceito é interessante e, suspeito, é por isso que o filme foi produzido. Porém, o conceito não basta para fazer uma história. O protagonista e, sobretudo, os antagonistas estão mal definidos e o filme acaba por ter pouca sustentação, criando danos óbvios à carreira de Blomkamp. Os atalhos são perigosos.
Para resumir as várias nomenclaturas de que falei deixem-me dar-vos o exemplo positivo de Inception de Nolan.
Gimmick: espionagem industrial feita através da exploração dos sonhos, uns dentro dos outros.
Watercooler Moments: a cena no clímax da carrinha a cair e de Arthur no elevador e Cobb no cofre, em câmara lenta, sonhos dentro de sonhos, e a música de Edith Piaf para os acordar. E também Paris a dobrar-se sobre si mesma. E também o pião a rodar na última cena.
High-concept: um espião industrial que rouba segredos através da tecnologia futurista de partilha de sonhos terá que fazer o perigoso processo inverso – colocar uma ideia no inconsciente de um industrial poderoso.
História: Cobb tornou-se um espião industrial depois de explorar os limites dos sonhos com a sua falecida mulher Mal. Exilado do seu país, depara com a oportunidade de voltar à família quando o empresário Saito lhe propõe a perigosa missão de introduzir a ideia de desmantelar um império industrial no inconsciente do herdeiro Robert Fischer. Para isso, Cobb terá também que enfrentar as memórias da sua mulher e os fantasmas do passado. Ou será que está, ele próprio, preso num sonho?
Julgo que é isto. Concordam? Espero ter sido útil.