No segundo discurso da sua vitória eleitoral, na noite de eleições legislativas de 6 de Junho de 2011, Pedro Passos Coelho afirmou que «os jovens têm hoje mais razões para terem esperança em Portugal», antes de cantarolar o hino nacional – pela segunda vez nessa noite e num intervalo de tempo inferior a sessenta minutos. (No vídeo acima, pode ver-se esse momento aos 07:40.)
Pese a sua promessa – e patriotismo tonitruante -, dezassete meses depois, mais de sessenta e cinco mil jovens portugueses emigraram, porque o país por ele governado não lhes deu nenhumas razões para terem esperança. Dezassete meses depois de Passos Coelho ter sido eleito, e formado com outro partido um governo de coligação que não foi a votos – no fundo, ninguém votou no governo em vigência -, Portugal é um país muitíssimo mais pobre, confuso e quasi-destroçado pela ideologia neo-liberal de engenharia social que obstina em contrair com violência a nossa economia, em baixar brutalmente os salários, em desvalorizar os indivíduos e, em oposição à supracitada promessa eleitoral, roubar-lhes a esperança.
Sem ela e sem um espaço público no qual possam exercer uma autêntica intervenção cívica para comunicarem os seus problemas – ausência atávica que tolhe todos os movimentos úteis -, os indivíduos em impotência manifestam-se da única forma que lhes é possível e lhes está ao exíguo alcance: na rua, com cartazes artesanais de protesto – e, cada vez mais, motivados contra o horizonte da injustiça sem estarem orientados por bitolas partidárias. Ou seja, o governo liderado por Passos Coelho é, ainda, único na união que cumpre entre os eleitorados de direita e de esquerda, fundindo-os numa força que, progressivamente, lhe é hostil.
O grau dessa hostilidade tem vindo a aumentar em proporção à surdez e ao mutismo governamentais, que insistem em continuar a política de terra-queimada contra o país, não obstante as opiniões especializadas que diariamente declaram na comunicação social a inutilidade das medidas em aplicação e daquelas que estão planeadas: não só as que compõem o orçamento de estado para 2013, como as adicionais que irão ser instituídas a partir de Março desse ano e que consagram, entre outras estratégias, a dilatação da base tributável para efeitos de cálculo de IRS – como se o sufocante aumento das taxas de IRS contempladas no orçamento de estado para 2013, através das mudanças nos seus escalões, não fossem suficientemente destrutivas para as famílias portuguesas.
Ontem, Miguel Macedo, actual ministro da Administração Interna, desvendou na comunicação social que andaram «profissionais da desordem e da provocação» a gorar com violência as manifestações pacíficas que se realizaram pelas ruas e à frente do Palácio de São Bento no dia da Greve Geral, que também foi greve geral europeia. Se existem, de facto, "profissionais da desordem" são os ministros deste governo desumano, liderado por Pedro Passos Coelho, que, todos os dias, fazem da «desordem e da provocação» – e da violência -, sobre todos nós (inclusive sobre quem os defende), a sua profissão, o seu motivo de orgulho.
A coagida contracção da nossa economia, a desvalorização dos indivíduos e dos seus salários, os suicídios na Ponte 25 de Abril, nas linhas ferroviárias e de Metro de quem é arrebanhado pelo desespero criado por estas políticas homicidas – isso, sim!, é que é verdadeira desordem, isso é que é verdadeira provocação, isso é que é verdadeira violência.
Que categorizem, pois, dessa maneira, de «desordem e provocação», os protestos dos homens comuns a quem roubaram toda a esperança, porque é sinal que estão incomodados com esses protestos: e sem força não há protesto. Já dizia Brecht que chamavam violento ao rio, mas não se lembravam de chamar violentas às margens que o comprimiam. No vídeo abaixo, aos 00:46, pode ver-se o rompimento dessas margens, numa cerúela e perfulgente fragmentação que ocorre no lado direito da imagem, por trás do aparato policial. Não é possível, neste vídeo, ouvir nenhum aviso prévio do avanço da carga policial que se segue e que investiu com típica irascibilidade, desferindo golpes aleatórios de cassetete sobre cidadãos idosos e mulheres.
Todavia, desde essa tarde que a polícia foi detendo por Lisboa um número indeterminado de indivíduos (ao que consta, várias dezenas ou até mesmo uma centena) e os manteve cativos até ao início desta madrugada em diversas esquadras e equipamentos análogos, como o desactivado tribunal de Monsanto – cujo acesso por transportes públicos ou civis está, normalmente, bloqueado, tornando-se um local optimal para o efeito em questão. Detidos sem justificação – alguns sem sequer terem participado em qualquer manifestação -, impossibilitados de contactarem com a família ou com advogados, os indivíduos foram, paulatinamente, libertados depois de serem coagidos a assinar documentos em branco. Abaixo, podem ver um dos poucos vídeos que noticiam esta situação preocupante pelo seu absurdo e impunidade.
Dezassete meses depois de ter sido eleito Passos Coelho, este é o país que ele está a construir, com a feral erosão do edifício democrático e a instalação da cultura do medo – a cultura dos "safanões a tempo". O poeta Camões já se interrogara no seu funesto soneto, escrito no século XVI, sobre o engano de se tentar ser ledo (leia-se feliz) quando, afinal, se vivia com medo. No nosso caso, medo de senhores como este:
(Dá que pensar.) Dançamos uma trágico-patética danse macabre, musicada com desafino pelo governo de Passos Coelho; e quem acredita estar fora do alcance do caixão é melhor "tirar-se daí que já foi dada Abrantes", porque à medida que a classe média for desaparecendo aqueles que pensam estar hoje a salvo serão os próximos a empobrecer. É que na visão neo-liberal só existem dois tipos de classes: a muito rica e a outra.