Na Alban governada por Keldec, ter um dom é meio caminho para a morte. Neryn aprendeu essa lição da forma mais difícil. Ao longo dos últimos três anos, ela e o pai arrastaram-se pelo reino, numa tentativa desesperada de fugir aos Subjugadores. Mas esses anos tiveram um preço e a sensatez do pai de Neryn foi-se tornando, aos poucos, em loucura. Numa loucura que culmina no momento em que, seguro de que a sua sorte voltará, o homem aposta a própria filha ao jogo. E perde. Para Neryn, o fim parece próximo. Mas o vencedor não parece ter más intenções a seu respeito e, ainda que o passado da jovem não lhe permita confiar, há algo no enigmático Flint que lhe fala de bondade. Ainda assim, o seu caminho tem de ser solitário. É que o lugar para onde vai, se é que esse lugar é mais que um mito, é também o início do seu destino. E a sua natureza é algo que não se pode confiar a ninguém…
Centrado, em grande parte, nos protagonistas, mas com uma história bastante maior que um simples romance entre ambos, este é um livro que cativa, principalmente, pelo carisma das personagens e pela força emocional que, apesar de ser mais evidente nos grandes momentos, se manifesta também nas pequenas coisas. A história parte de um momento de grande tensão para apresentar dois protagonistas muito diferentes e basta esse momento para ver que a interacção será atribulada. Há, também, muitos segredos em torno de ambos, o que contribui para o fascínio que exercem. De tudo isto, resulta uma boa base de mistério e empatia, que desperta curiosidade para o que virá a seguir.
A história é narrada quase totalmente do ponto de vista de Neryn, o que faz com que o contexto do mundo a que pertence seja apresentado essencialmente do seu ponto de vista. Ainda assim, parte da sua personalidade caracteriza-se pela capacidade de ver as circunstâncias com bastante clareza, com excepção talvez dos momentos que implicam um maior abalo emocional. Assim, e ainda que pouco seja revelado do que se passa na corte de Keldec, a percepção de Neryn, associada aos actos e revelações dos que com ela se cruzam, basta para ficar com uma ideia clara da forma como Alban é governada – e da forma como esta influencia os medos e as motivações dos protagonistas.
Também a evolução das personagens contribui para a envolvência do enredo. Revelado, no início, o lado mais vulnerável de Neryn, o percurso encarrega-se de a tornar mais forte. Quanto a Flint, os seus segredos e tormentos interiores, em conjugação com as inevitáveis dúvidas de Neryn e a nem sempre acertada dos seus amigos Boa Gente, conferem-lhe uma personalidade misteriosa e fascinante, bem como uma dimensão humana que se torna mais visível a cada revelação. Acontece, pois, que, apesar de todas as diferenças, os dois protagonistas têm mais em comum do que julgam, e esta capacidade de revelar essas semelhanças de forma gradual, fazendo com que a relação cresça da mesma forma – e apesar das suspeitas e atribulações, – torna a história mais marcante, quer por mostrar tanto o que une os protagonistas como o que os separa, quer por colocar as suas histórias individuais – e a luta que têm a travar – acima da parte romântica dos acontecimentos.
Belo e comovente, com um duo de protagonistas carismáticos e uma história em que a magia e os dons excepcionais se conjugam com simples qualidades humanas como a coragem e a bondade, Shadowfell abre, da melhor forma, uma história que promete ainda muito para descobrir. Cativante, misterioso e emotivo… Muito bom.
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