Leituras. Comentários sobre livros recentes (repletos de parêntesis):
Eu Mato Gigantes, de Joe Kelly e J. M. Ken Niimura, lançado pela Kingpin Books, que opta pela estranha opção de um título bilíngue na capa, embora o miolo se encontre em português europeu. Necessidade de chamar a atenção a um público seguidor dos lançamentos e destaques internacionais? Bem, felizmente tais pormenores não comprometem uma história de crescimento e descoberta adolescente, contada a preto-e-branco com um traço económico inspirado em (mas não totalmente fiel a) estilos manga. Barbara, a rapariga cujas bizarras bóinas (?) com orelhas de coelho narrativa e personagens secundárias aceitam sem questionar, mais corajosa que a sua esquálida figura faria supor, com resposta pronta na língua (e ausência de bofetadas correctivas, o que nos indica estarmos perante uma «educação moderna»), anda pela escola a berrar a colegas e professores que mata gigantes, uma afirmação arrojada que não se ouvia na banda desenhada nem na animação desde os tempos da Disney.
A verdade é que gigantes parecem existir na sua vida, em particular aquele que vive no andar de cima (a classe média americana, recorde-se, não habita em apartamentos como os europeus) e de quem não se fala – e tão pouco dele se fala que as legendas saem riscadas (é um efeito minimalista mas eficaz). Barbara, tratando-se de uma adolescente mestre em jogos de tabuleiro (também aqui encontramos uma possível leitura de intervenção contra os estereótipos femininos na BD), vai passar pelos inevitáveis contratempos de integração social e bullying (nada mais cativa os geeks do que descreverem-se como vítimas, mas fica a pergunta: e isto não é também um estereótipo?), ao que não ajuda o seu conhecimento enciclopédico sobre gigantes.
Os autores conseguem estabelecer um clima de mistério e revelação gradual muito eficaz, em grande medida ajudado pela sugestão de um terror inominável que coexiste com a placidez de uma terreola de província e é capaz de suplantar o abuso diário, físico e emocional, que recebe dos seus conterrâneos. Barbara não é rapariga para se assustar facilmente, pelo que aquilo capaz de assustá-la se torna verdadeiramente perturbante no contexto da narrativa. É assim uma pena que o momento de revelação opte por uma interpretação simbólica desse terror e o inscreva numa circunstância de vida (nem por isso menos atemorizante, mas já fora do reino do Fantástico) comum a quem é ou foi filho. O acto final perde força, e só o carisma de Barbara, por quem nos afeiçoámos nos dois primeiros terços, é realmente o motivo para termos continuado (pois queremos saber se vai acabar bem).