Leituras de 2014 (4). «Young Zaphod Plays it Safe» (conto) de Douglas Adams. Em The Time Traveller's Almanac. Lido em inglês.
Eis um regresso muito apetecido ao universo de À Boleia pela Galáxia (privilegiando a tradução de António Vilaça na recente edição da Saída de Emergência), em que nos deparamos com uma incursão do Presidente galáctico Zaphod Beeblebrox enquanto ainda era um mero e reles colector de salvados de naves espaciais encalhadas. Acontece que a nave deste conto encalhou no fundo do oceano de um planeta famoso pelas suas lagostas, tão famoso que o piloto, descendente de antepassados provenientes daquela zona, não descansou enquanto não convenceu os camaradas a pousar e provar aqueles belos espécimes de quem tanto se falava – e falava e falava – na família... sem pensar na importância da sua missão, que consistia em despachar a nave contra um buraco negro pelo perigo e secretismo das armas a bordo... seriam umas senhoras lagostas, de facto!
Zaphod é contratado por burocratas que conhecem o verdadeiro conteúdo da nave (oficialmente transportaria «resíduos inofensivos»), os quais insistem em como foram seguidos todos os protocolos e normas de segurança, embora as evidências da nave encalhada – o casco destruído, o convés despedaçado – apontem para o contrário.
Aqui se percebe como o humor de Adams é de uma maestria subtil e destemida, sustentada no uso cuidado da linguagem e na delicadeza como apresenta a ideia, fazendo-nos envolver aos poucos, sem pressas, como se abrisse aos poucos um diafragma ocular sobre uma realidade complexa e desconcertante. À moda dos verdadeiros humoristas da palavra, evita a punch line e esforça-se por explicar o absurdo no contexto narrativo. Aliás, é precisamente por nunca pedir desculpas e insistir no elemento apresentado que consegue obter situações hilariantes, disfarçadas de enredo. Algo que traz bons resultados em meios verbais, como a rádio, mas que se transforma em desastre no cinema e na televisão – conforme já se pode comprovar.
Apetece fazer excertos do conto inteiro. Fica, contudo, aqui um dos mais cativantes, sobre a invenção das «varetas do aoristo» e de como toda a tecnologia tem efeitos secundários (hint, hint, nudge, nudge) perfeitamente plausíveis e humanos:
Aorist rods were devices used in a now happily abandoned form of energy production. When the hunt for new sources of energy had at one point got particularly frantic, one bright young chap suddenly spotted that one place which had never used up all its available energy was – the past. And with the sudden rush of blood to the head that such insights tend to induce, he invented a way of mining it that very same night, and within a year huge tracts of the past were being drained of all their energy and simply wasting away. [...] The past provided a very cheap, plentiful, and clean source of energy, there could always be a few Natural Past Reserves set up if anyone wanted to pay for their upkeep [...] It was only when it was realised that the present really was being impoverished, and that the reason for it was that those selfish plundering wastrel bastards up in the future were doing exactly the same thing, that everyone realised that every single aorist rod, and the terrible secret of how they were made, would have to be utterly and forever destroyed.