Marcelina G. Leandro: Será que nos queres falar um pouco de ti?
Rui Ramos: Nascido e criado no Porto fui para o curso de Geologia para conhecer e explorar o mundo e assim poder ser um melhor contador de histórias. Comecei por dedicar-me à banda desenhada, com breves passagens pela escrita de contos e micro-contos, até que em 2009, descobri a minha vocação como narrador oral. Actualmente, é a minha principal actividade e tem sido uma aventura bastante realizadora.
MGL: Na Fénix participaste com uma banda desenhada e é essa a área onde te vemos mais frequentemente, onde é que podemos ver mais trabalhos teus? E em que áreas?
RR: Na área da banda desenhada, tenho alguns contos de quatro páginas que realizei para participar em vários Festivais de BD da Amadora, de Moura e Angoulême. Mas desses contos apenas me orgulho de dois. A BD que apresento na Fénix, é um deles e foi uma das minhas participações no concurso da Amadora de 2005, o outro foi a minha participação para Angoulême em 2007, se não estou em erro. Também, escrevi um argumento para uma série de banda desenhada a ser integrada num projecto BD que nunca chegou a arrancar, cheguei mesmo a assinar contrato, o que apenas serviu para condenar o argumento ao limbo do esquecimento, pois vendi os direitos de autor e ainda não tive disposição para os recuperar. Entretanto, ganhei juízo e abandonei os concursos e trabalhos para terceiros e desafiei a comunidade de artistas de um fórum de Banda Desenhada para fazer uma BD de contos inspirados em Lovecraft e assim, nasceram os Murmúrios das Profundezas, fanzine que organizei, editei, co-escrevi, co-desenhei e co-pintei. O seu sucesso lançou-nos no panorama do fandom nacional de BD e alcançamos o prémio para melhor fanzine em blogue Isabel Coutinho. Aproveitei esta plataforma para escrever as crónicas das viagens desta personagem pelo multiverso. https://twitter.com/VoyagerBD Foi uma experiência bem divertida que chegou ao Facebook também. Tenho ainda muitos projectos de BD na gaveta à espera de melhores dias. Mas a minha actividade não se esgota na Banda Desenhada. Tenho um conto de Fantástico/Terror publicado numa colectânea de contos da Companhia do Eu: Bicicletas para Memórias e Invenções 2. Escrevi uns micro-contos para o Fórum da Bang e acabei por compilar alguns deles num blogue que criei para o efeito, mas que entretanto abandonei para me dedicar a 100% à tese de doutoramento em Geologia. Desde então nunca mais escrevi nenhum conto. Actualmente, estou dedicado a 100% à arte da narração oral. Adoro contar histórias para um público, é isso que me realiza, mais que escrever, mais que desenhar. Para além de contar histórias, ilustro os cartazes das minhas sessões.
2009. Os Murmúrios serviram ainda de inspiração a uma nova geração de autores nacionais e deram novo fôlego à edição de autor. Depois dos Murmúrios, a equipa que juntei realizou uma outra BD sobre uma nova personagem criada por mim: o Voyager, turista com o poder de viagem pelo multiverso. Este novo projecto de BD depressa alcançou uma dimensão multimédia, expandindo-se para o Twitter, tornando-se um dos primeiros exemplos de twittirização de histórias na língua portuguesa (o acontecimento foi notícia de jornal!)
RR: Confesso, que há um ano que não faço a menor ideia do estado da banda desenhada em Portugal. Depois do lançamento do Voyager, em 2011 tive que me dedicar a sério à tese de doutoramento para a terminar de vez e fui obrigado a afastar-me. Nessa altura, a BD nacional estava a viver um novo fôlego, com muitos autores novos a verem os seus trabalhos editados quer em fanzines quer em álbuns de editoras comerciais como a Asa, Tinta da China. Para não falar dos autores nacionais que começaram a trabalhar para editoras estrangeiras francesas e americanas como a mítica MARVEL. Em 2007 quando perguntei a um autor como estava o mercado nacional, ele disse-me que só ele estava a ser editado. Em 2011/2012, obras portuguesas estavam a ser traduzidas para inglês e em vias de serem adaptadas para o cinema, estou a falar como é óbvio do Dog Mendonça e o Pizza Boy, o grande fenómeno da BD nacional. Foram tempos muito bons em que era fácil acreditar que tudo era possível. Actualmente, com o papão da crise acredito que as coisas estejam piores outra vez mas não posso precisar. Se é fácil entrar para o fandom? Para mim foi, bastou apanhar um autocarro do Porto para Beja com um caderno de esboços na mochila, mostrá-lo à única pessoa que encontrei no Festival de BD e descobrir para meu grande espanto que estava a falar com o director do evento. Ficamos logo grandes amigos, abriu-me muitas portas e apresentou-me a várias pessoas do meio. Em suma, para entrar no fandom, basta ir aos festivais e falar simplesmente com as pessoas, descobrimos com prazer que estamos na presença de editores, autores, lojistas, fãs, etc. Eu frequento estes festivais mais pelas pessoas que encontro do que propriamente pela Banda Desenhada que acaba por ser secundária para mim. Existem vários concursos de Banda Desenhada nacionais e internacionais, basta estar atento ao blogue do Geraldes Lino (um dos maiores divulgadores de BD cá em Portugal). Antigamente o site da Bedeteca de Lisboa era outra boa fonte de informação, mas o site anda meio parado desde 2011.
MGL: Foste um dos organizadores dos "Murmúrios" por isso organizar um projecto desse género é-te familiar. Que memórias guardas? Já pensaste em voltar a organizar um projecto do género?
RR: Foi uma experiência bastante boa para mim porque me ajudou a saber trabalhar em equipa. Nunca gostei de trabalhos de equipa, confesso, mas depois dos Murmúrios aprendi o seu valor e a potenciar o melhor que cada um tinha para oferecer para o projecto. Éramos 8 pessoas bastante diferentes, distribuídas pelo país, de Braga a Faro. Não nos conhecíamos. Há membros da equipa que nunca se viram e mesmo assim conseguimos realizar duas BDs distintas. Funcionámos por email. Perdemos muitas horas nos chats a trocar ideias e a enviar esboços, cada um a adicionar o seu contributo. Foram muitas madrugadas em claro. Vi o sol a nascer várias vezes pelo canto do olho enquanto estava a trabalhar à frente do PC, adormeci umas tantas com a cabeça em cima da tablet, para não falar das visões estranhas que nos aparecem quando entramos naquele limbo entre o sonho e o estar acordado. Bastante inspirador diga-se. Nem sempre foi fácil lidar com as nossas diferenças de opinião, mas com muita calma, bom senso e diplomacia as coisas resolveram-se. Foi uma honra ter feito parte desta equipa de talentosos. Quanto a novos projectos, está em aberto a possibilidade de continuar a saga do Voyager, mas passado um ano, sem estar ligado à BD está a custar-me um pouco ter a vontade de regressar. De momento, estou mais interessado em criar projectos para a narração oral e aí, as ideias não faltam.
MGL: Queres referir algo que te pareça importante mencionar e deixar aqui algum contacto?
RR: Aproveito para agradecer o convite para participar nesta edição da Fénix, tive pena de não ter podido fazer um conto novo mas na altura que me pediram uma BD tinha a tese de doutoramento ao pescoço e um prazo apertado para cumprir. Foi o que se pode arranjar. Agradecimentos feitos, resta-me promover a arte da narração oral que está a crescer em Portugal, novos talentos à espera de serem descobertos e com eventos espalhados um pouco por todo o país. É uma arte e profissão que merecem toda a divulgação, porque antes de se saber escrever ou desenhar, as histórias já eram contadas com o recurso à expressão corporal, vocal e facial. Existem alguns festivais a ter em atenção. Este ano, o Porto volta a receber o seu festival internacional e em Lisboa será a segunda edição da Terra Incógnita. Estejam atentos à minha página no Facebook, onde irei actualizando mais informações destes e outros eventos na área da narração oral: http://www.facebook.com/obaudo.contador