O Último Homem a Morrer

O fim estava próximo. Ele era o último membro da humanidade a morrer de causas naturais. O tempo da sua vida tinha sido muito longo pelos antigos parâmetros: mais de dois milénios. Todos os que tinham nascido antes dele e algumas décadas depois estavam mortos.

Desde muito cedo que ele tinha tido preocupações com a sua longevidade. Tinha começado enquanto adolescente a ter uma alimentação regrada e a praticar exercício físico sem exageros. Isso deu-lhe o tempo suficiente de vida para começar a tirar proveito dos grandes desenvolvimentos tecnológicos relacionados com a longevidade que se vieram a verificar.

Num mundo onde as preocupações com a sobrevivência de curto prazo (nomeadamente a fome) começavam a desaparecer, os recursos dedicados a linhas de investigação relacionados com a longevidade aumentaram exponencialmente. A morte humana com a colonização espacial tornou-se redundante porque o espaço deixou de ser uma preocupação.

As preocupações humanas deixaram de concentrar-se no curto e médio prazo para se focarem em objectivos de longo prazo. Por exemplo, se a esperança de vida for apenas de algumas décadas, as preocupações ecológicas tendem a ser menores do que para pessoas com maiores esperanças de vida. Se pensamos que não vamos viver o suficiente para sofrer as consequências de um cemitério nuclear e podemos tirar proveitos de curto prazo, tendemos a aceitar mais facilmente essa situação.

Com o passar dos séculos, os desenvolvimentos tecnológicos possibilitaram a um número crescente de seres humanos viver indefinidamente. Porém, ele estava sempre um passo atrás. A aplicação no seu corpo desses desenvolvimentos apenas lhe possibilitava aumentar a sua esperança de vida mas não viver indefinidamente. O seu corpo estava num estado de degradação que não lhe possibilitava tirar o proveito pleno da evolução tecnológica.

Ele esteve muito próximo de atingir um estado que lhe permitisse viver indefinidamente. Infelizmente para ele, quando a esmagadora maioria da humanidade alcançou a capacidade de viver indefinidamente o dispêndio de recursos na investigação relacionada com a longevidade caiu abrutamente. Isso levou a que as descobertas que lhe permitiriam viver indefinidamente viessem demasiado tarde.

De certa forma, ele continuaria a “viver” através das suas obras e dos seus descendentes. Os efeitos da sua existência continuariam muito para além da sua morte. Um pouco como as ondas provocadas pela queda de uma pedra num lago. Muito depois da pedra ter atingido o fundo do lago, as ondas continuarão a propagar-se em todas as direcções. Todavia, não se satisfazia com isso num tempo onde a maioria da espécie humana viveria indefinidamente e ninguém morria a não ser de acidentes ou de suicídios.

Nos últimos momentos ele poderia estar a pensar que se tivesse começado mais cedo a preocupar-se com a sua saude e/ou mais intensamente e/ou nascido mais tarde poderia ter ultrapassado a linha que se afastava continuamente, mas não. Recriminar-se nunca fez parte das prioridades.

Ele era uma das pessoas que lidava bem com a passagem do tempo. Muitos humanos, mesmo com uma boa qualidade de vida, com o passar dos séculos acabavam por suicidar-se com o aborrecimento.

O “universo” humano tinha mudado muito ao longo dos séculos, mas as alterações sociais tinham tendência para serem mais lentas. As pessoas que desejavam mudanças sociais (sobretudo pessoas com algumas décadas de vida) eram uma minoria cada vez mais pequena. As pessoas continuavam a ter filhos mas estes tendiam a ser projectos com vários séculos de intervalo. Isso não significa necessariamente que as pessoas com mais anos de vida fossem contra as mudanças, mas, às vezes, assim parecia para os membros mais recentes da comunidade humana.

Os estilos de vida tendiam a ser o mais díspares possíveis. Simplesmente qualquer tentativa de impor à sociedade um determinada mudança social rapidamente era bloqueada. A norma era que cada um devia encontrar o seu “caminho” sem prejudicar a liberdade dos outros. Poder-se-ia tentar suavemente convencer os outros, mas sem fazer demasiada “força”. De outra forma, quem fazia demasiada “força” tendia a ser ostracisado.

A morte continua a ser um grande mistério para a ciência tal como no passado. Haverá uma existência após a morte? De qualquer forma, pensava ele, a morte é um grande atentado (talvez o último) à liberdade humana. Ele não sabia, como qualquer um de nós, se a morte era o nada, mas iria de cabeça erguida . . . e morreu.

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